A POLITICA BRAZILEIRA NA REPUBLICA ORIENTAL DO URUGUAY. POR UM BRAZILEIRO. RIO DE JANEIRO TYP, AMERICANA DE J. J. DA ROCHA, Rua da Alfandega n. 210. 1854. A POLITICA BRAZILEIRA NA REPUBLICA ORIENTAL DO URUGUAY. Se houve algura dia politica altamente confessavel e nobre nas relaçoes de uma na- çáo relativamente forte para com um Estado visinho de força muito inferior, é de certo a que o imperio do Brazil tem adoptado e se- guido para com a Republica Oriental do Uru- guay. Nem urna inspiracáo de egoísmo a amesquinha, nada ha nella que nao possa ser patenteado, nada que encubra um pen- samento secreto: e se o imperio com suas armas e os seus cabedaes nao tem só em mira o desejo da prosperidade da república visinha, é porque essa prosperidade de um povo limitrophe poderosamente influirá so- bre a de parte do seu territorio; como suadesgrara, seu atrazo, sua barbarisacáo pelas devastacóes da guerra civil poderáo igual- mente contaminal-o. Para o Brazil seria mis- ter cingir toda a sua fronteira de um pode- roso cordáo sanitario que repellisse do seu Kio Grande os pesleados da guerra civil, ou auxiliar em Montevidéu o desenvolvimento da civilisacáo, as vistas do ¡Ilustrado patrio- tismo, que curas?cm essa peste. Em ambos os casos eram-lhe necessarios sacrificios; em um, fal-os-ia para urna causa de mero egoís- mo, com grandes difficuldades, e talvez sem toda a certeza de bom éxito; no outro, fal-os- ia para urna causa nobre, humana e essen- rialmente honrosa: o Brazil por ahi se decidiu. A política americana nao é urna palavra occa.de agradavel sóido, ese aínda ha pouco houve quem de continuo a fizesse chocalhar, procurando dar-lhe um sentido selvagem de ameaca á civilisacáo, análogo ao grito feroz de morte aos seus adversarios com que sa- cramentava todos os seus escriptos, os ho- mens que caminham no presente olhos filos no futuro, os que se incendem no amor da patria, que a vem, com os olhos da espe- ranza, bella, opulenta, gloriosa, esses bem comprehendem que a política americana, blasphemuda pelo dictador argentino, deve ser urna cousa real, positiva c nobre. Em que consiste ella? Na fratcrnisaeáo dos - 5 — povos da America meridional para arranca- rem-se ao inimigo que os tem ílagellado desde que procuraram constituir-se em Estados in- dependentes : a política americana considera todos esses povos como formando urna gran- de familia de irmáos, ligados para firmarem entre si o espirito de ordem contra as fac- <;óes, de civilisacáo contra a barbaria, para fecundaren) esse bello torráo, um dos mais opulentos que sahiu das máos do Creador, e que jaz em tao lamen la vcl atrazo. A política americana repelle a menor idéa de conquista e de absorpeáo; por quanto nao considera ñas nacóes senáo a sociedade hu- mana que ascompoem; o territorio que ellas oceupam nao é senáo seu accessorio; a con- quista pois seria a imposi^áo de um jugo, de um lei a urna parle de urna sociedade humana; a conquista seria a escravisacáo de um povo, de urna familia de homens, a ruina de urna nacionalidade; ora nem o ho- mem deve ser escravisado, nem as naciona- lidades sao fácilmente extinctas. A política americana comprehende que cumpre promover por todos os meios essas mutuas e frequentes relacóes commerciaes que multiplicam o bem-estar, e fazel-as pe- netrar por todo o interior desse vasto conti- nente, approveitando os meios naturaes que para isso se acham predispostos, e de que táo esquecidos tem vivido esses povos nos— 6 — largos annos em que, entregues ás faecoes, nao tem tido por espectáculo senáo as sce- nas de carnificina da mais deploravel guerra civil. Assim pois : respeito a todas as naciona- lidades: profligacáo do espirito de con- quista: fraternisacáo dos povos para se ar- rancarem ao abismo de sangue em que os tem submergido o espirito de faecáo: multi- plicacáo das relacóes de commercio, essen- oialmcnte civilisadoras, e que Iraráo a in- dustria, o trabalho, a opulencia: eis as bases da política americana. Sabindo das lutas de organisacáo antes de todos os povos conterráneos, gracas á forca do elemento monarebico que ficára em sen seio, e de que se viram elles privados, o Bra- zil eomprebendeu que era ebegada a hora de dar as primeiras arrhas á politica que cumpria fundar. Como todas as suas vistas eram nobres, nao as involveu no manto do mysterio; como nada linbam de egoístico, nao quiz para si exclusivamente a tarefa de desem- penbal-as. Tendo, por consequencia dessa politica, de intervir na República Oriental, onde as faecóes de novo prorompiam, o gabinete bra- zileiro entendeu conveniente dizer á diplo- macia de todas as nacóes o que ia fazer em Monlevidéu, e o que lá o levava. Elle o fez em um extenso documento, na fircular dirigida ao corpo diplomático resi- dente no Rio de Janeiro em data de 19 de janeiro de 1854. Na conclusáo desse docu- mento para dar flanea de suas lencóes, do espirito que o dirigía, o gabinete imperial escreveu a seguinte phrase : « Ultimamente, o governo do Brazil, tendo sómei.te por objecto salvar o Estado Orien- tal, e fortaleceré firmar sua independencia, nao recusará o concurso de qualquer poten- cia que com elle queira entender-se sobre os meiosde conseguirem-se os indicados fins.» Esta circular nao podia deixar de obter o mais completo assenlimento. No payz, como fóra delle, adhesóes sem contó a aeolberam. E' porérn impossivel agradar a todos ; es- pecialmente quando se loca em negocios de alguma das repúblicas do Plata, em que tan- tos interesses, tantas pretencóes, tantas espe- ranzas, tantas enraivecidas decepcóes se en- contram, é impossivel persuadir-se de que a evidencia moral seja por todos reconhe- cida. Segundo o ponto de vista em que qual- quer se colloca para apreciar urna paysagem, pode 'ella ser bella, ser magestosa, ou ser horrivei; segundo o ponto em que nos col- locam as nossas paixóes, os nossos rosenti- mentos, as nossas esperanzas para apreciar- mos urna política, pode ser louvada como óptima, deprimida como pessima: triste con-dirao da humani'lade, que as verdades mo- ra es e de raciocinio nao tenham a forca e o predominio das verdades mathemnlicas, a que nem-um espirito pode moslrar-se re- luctante ! A circular achou pois contradictores : uin folheto foi contra ella impresso em Montevi- dén com o fun declarado de analysal-a e d¡scutil-a, com o fin» verdadeiro de tornar odioso o governo brazileiro, de cliamar a desconfianca e a animadversáo sobre a sua política ; sendo muito notavel que a mesma penna que a esse trabalho se deu, escrevesse asscguintes palavras: « antes deexpórns nos- sas eonsideracóes, declaramos que nos seria mui doloroso se del las se deduzissem ideias contrarias a urna intervencáo adequada ao espirito dos tractados, ás conveniencias na- cionaes, á lei... Se repellissemos a interven- cao brazileira, seria debaixo da forma em que foi pelo governo imperial apresentada, ostentando exageradas pretencóes, mostran- do um carácter perigoso de iniciativa e de preponderancia.» Quem lésse semelhante phrase pensaría sem duvida que o autor do folheto se occupa com expremer as phrases da circular para dellas extrahir esse veneno, e mostrar quaes sao as pretencóes do governo imperial, em que sao ellas exageradas, qual o seu carácter, e em que é elle perigoso, onde está a mani- — 9 — festacáo de iniciativa e de preponderancia ; e ainda mais deveria esperar que o autor do folheto se faria cargo de indicar como dovia ser, em que devia constar, ao que devia li- mitnr-seuma intervencáo, para ser adequada ao espirito dos tractados, ás conveniencias nacionaes, á ordem, á lei, e assim merecer a sua approvacáo. Enganar-se-ia porém quem nessa espe- ranca percorresse o folheto; acharia urna ana- lyse arguciosa sobre proposic.óes incidentes, desnaturadas, e convertidas em capítulos de accusa^áo contra o Brázil : acharia quer nos pensamentos, quer na redaccáo um resaibo de rosismo, que lhe faria pensar que estava lendo urna dessas pecas diplomáticas com que Rosas atulhava as columnas dos jornaes da sua devocáo, e as chancellarías das nacóes que com elle tractavam; ahi talvez desco- brisse o segredo do resentimento do author do folheto contra o imperio, o motivo porque a circular nao é boa, e é pessima a política brazileira. Opportunamente occupar-nos-emos com a intervencáo brazileira cujo carácter está mar- cado na circular ; mostraremos que nao ha nella o menor resaibo de pretencóes exape- radas, o menor indicio de perigosa inicia- tiva e preponderancia, e a nossa conclusáo será que essa, e nao qualquer outra inter- vencáo, era a consentanea com os tractados,— 10 — com a ordem e as conveniencias nacionaes da república nossa alliada. Antes poréra de o fazermos, antes rnesmn de nos occuparmos com a analyse do refu- tndor da circular, verifiquemos o motivo poi- que escreveu t-lle essas palavras. Embora no seu iblheto tudo diga que é elle Argentino, tudo até o esteja nominal- mente denunciando, sua tencáo foi, para nao diminuir a forra moral da sua aggres- sáo contra o Brasil, occultar-se, disfarcar-sc lomando a apparencia de Oriental, e até mesmo de Oriental do partido colorado: nao 0 pode sempre conseguir; muita vez o cora- cáo mandou á penna palavras delatoras: mas para esse fingimento cumpria indispensa- velmente fazer crer que, se nao se quería essa intervencáo brazileira, é porque se que- na oulra, e nao que nao se quizesse nem- uma, ficando porem livre condemnar a qual- quer intervengo que houvesse sido adopta- da, para applaudir-se a qualquer outra, com tanto que nao fosse a adoptada. E isso porque? porque nao é possivel, em qualquer partido, ou fracgáo de partido orien- tal, achar-se um hornera, por menos que reflicta sobre o estado da sua patria, que nao reconheea que a inlervencáo brazileira era- llie enláo urna necessidade indeclinavel, ainila oé,eo será em quanto nao conseguir consolidar-se. — 11 — Poderá no Brazil baver quem nao ap- plauda a urna política de intervencáo, alten- dendo únicamente aos sacrificios que nos impoem, e cuja indemnisacáo será remota ; pode haver no exterior quem a condemne, por comprehender que lhe nao convém que o imperio tenha urna expansao favoravel a todas as idcias de ordem e de civil ¡sarao: em Montevidéu porém nao se poderá achar quem nao a queira, quem nao a julgue ne- cessaria; súmenle cada partido, cada fraccáo de partido a poderá querer como sua alliada, nos seus interesses, contra os seus adversa- rios. Ora para ser acceito como Oriental, era indispensavel fingir que nao se repellia toda a qualquer intervencáo : o autor do folhetor táo argucioso como se inostra, nao podia deixar de comprehender essa necessidade, e de satisfazer-lhe com algumas palavras. Infelizmente essas palavras, e por isso textualmente as transcrevemos, sáo a con- demnacáo de todo o seu opúsculo ; a ellas mui provavelmcnte nos referiremos, quando quizermos fazer sentir as contradiccóes do adversario da política brazileira. Cometa a circular do gabinete imperial, esbocando a tragos largos qual a posicao da República Oriental antes de 1851, antes que as armas alliadas puzessem termo á guerra que de ha tanto tempo lhe era í'cita, ante» que em Tonelero e era Monte-Caseros a bra-— 12 — vura brazileira, unida á dos Onontaes e dos Argentinos, houvesse expulso da America o inimigo jurado da sua civilisacáo. Aqui transcrevemos essa exposieao his- tórica : « Rio de janeiro.—Ministerio dos negocios extran- geiros, etn 19 de janeiro de 1854. O abaixo assignado, ministro dos negocios extran- geiros, receben ordem de S. M. o Imperador, sen augusto soberano, para fazer ao corpo diplomático a seguinte comm un ¡carao : Quando pela convenció preliminar de paz cele- brada entre o imperio do Brazil e a República Ar- gén tiua em 27 de agosto de 1S28, se creou o novo Kstado, que tomón o nome de República Oriental do Uruguay, foi reconhecída pelas duas altas partes con- tractantes e pela Graa-Bretanha , que assistiu a aquellos ajustes, a necessidade de intervencao e pro- leccao extranba para poder consolidar-se a paz, e estabelescer-se c sustentar-se um governo regular naquelle payz. Diversas estipula ;oes seadoptaram naquella con- venció, as quaos tinham por objecto satisfazer a necessidade que se bavia reconhecido. Pelos arts. U.° 5." e 6.* proviu-se sobre a livre elcicao de representantes, e sobre a eleicáo por ellos feita de um governo provisorio; pelo art. 7." se Mies i ni póz a obrigagao de formar urna constituicáo polí- tica que, antes de ser jurada, devia ser examinada por commissarios dos governos contracta»tes; pelo art 9.° sanecionou-se o absoluto e perpetuo esque- cimenlo dos actos e opinioes anteriores ; e ultima- mente pelo art. 10 cstipulou-se a intervencao do» — 13 — movernos contractantes, durante cinco annos, ent favor do governo legal, urna vez que a tranquil lidado e a seguranza publica fossem perturbadas pela guerra civil. A guerra civil que se receiava appareceu; porém devendo a intervengo ser acto collectivo dos dous governos contractantes, nao estando previstos neni definidos os meios de le val-a a effeito, e nao se bar- inonisando as vistas dos que deviam executal-a pelos notorios projectos do dictador llosas, desde que assu- miu o governo de Bucnos-Ayres, a intervencao nao se realisou, e a guerra civil tomou as proporcoes, e produziu as complicacóes que molivaram a media- cao da Fianca e da Inglaterra cm 1842, e a inter- vengo dcstas duas potencias desde 1845. Os soffrimentos que táo lamentavel estado de cousas impunba ao Brazil ebegaram a ser insuporta- veis. A constante agitadlo em que estiveram as suas fronteiras do sul obrigou o governo a conservar ahi em pé de guerra, com enormesdespezas e sacrificios, torcas consideraveis. Os Brazileiros, estabelescídos cm grande numero no Estado Oriental, foram vexados e opprimidos em suas propriedades. O interesse político que o Brazil tinha, e continua a ter, na conservado da independencia do Estado Oriental, compromettido durante todo esse tempo, estava já a ponto de perecer. Para cumulo de tantos males a cousummaQáo da absorpcSo do Estado Oriental pelo dictador Rosas collocava o imperio no perigo de urna guerra, que já se annunciava, e que era absolutamente ine- vitavel. _— 14. — Nesla situado o governo do Brazil resolved preca- ver-sc, e organisou para esse fim a coalicáo de 1851, que liberiou o Eslado Oriental, e póz termo á tyrania de D. Joao Manuel de Rosas no rtio da Prala.» Contra essa exposieáo investe o autor do folheto. Excitou desde logo o seu reparo urna inexacudáo: a circular diz que na con- vencao preliminar de paz de 1828 o imperio do Brazil, a República Argentina e a Gráa- Bretanha, que assistiu a aquelles ajustes, re- conheceram a necessidade da intervencáo e proteceáo extranha para consolidar a paz na república cuja independencia era creada por essa convenció. Ora, pretende o analysta que isso nao é exacto, que a Gráa-Bretanha nao assistiu a esses ajustes, que pois nao reconheceu tal necessidade de intervencáo ; porquanlo na convenció preliminar do paz de 1828 nao se acha a firma de nem-uni agente britannico. Se dessa allegacio dri que a Inglaterra havla assislido á convengáo preliminar de paz, deduzisse o ministro brazileiro o di- reito ou a obrigacío para a Inglaterra d<; intervir nos negocios do Prata, entendería- mos que o analysta nao a deixasse passar sem longa contestacio; mas quando nao é ella trazida senáo para mostrar que a ne- cessidade de urna intervencáo exlrangeira j.i havia sido reconhecida , certamente nao comprehendemos tanto esforco. De feito, a - 15 - Inglaterra nos ajustes de paz de 1828 nao oceupou a posicáo de quaesquer oulras nacóes amigas ou neutras, fui medianeira entre o Brazil e a República Argentina ; e acha o analysta que nao se pode dizer que ella assistisse aos ajustes de urna convencao que como mediadora provocara ? e pensa que se nessa convencao o Brazil e a Repú- blica Argentina se reservassem sobre a Re- publica Oriental , cuja independencia de commum accordo firma va m, um direito de intervencáo que a Inglaterra nao entendesse necessario, deixaria esta de reclamar? A Inglaterra, medianeira entre as poten- cias que eslavam em ajustes, nao assistiu a clles ! nao leve conhecimento das suas esti- pularles ! Da parte que entao teve na fundacáo da República Oriental deduziu a Inglaterra o direito com que interveiu ñas questóes do Prata, com que procurou reprimir a ambi- cio de Rosas, com que, unida á Franca, se apresentou fazendo algum esforco para man- ter a independencia ameaQnda da República Oriental. E quando esses fados se produzi- ram á face do mundo, o governo brazileiro commetteu urna inexactidáo de vulto dizendo que a Inglaterra assistiu aos ajustes que fundaram essa república! 0 reconhecimento da necessidade dessa intervencáo extranha, dessa especie de pro-— 16 — tectorado, prosegue o autor do folheto, seria contradictorio com a proclamacáo da inde- pendencia da república. Nao repara que isso é questáo muito diversa ; por agora só devena provar que a Inglaterra nao asssitira ás estipulares da convencáo pre- liminar de 1828, nao tivera conhecimento dellas, nao reconhecéra a sua necessidade : < quanto á quebra que o reconhecimento dessa necessidade podia trazer á indepen- dencia do novo Estado , verifical-a-emos adianto ; agora basta reconhecer o facto : o facto ahi está consagrado noart. 10 dessa convencáo, pelo qual se eslipulou a inter- vencáo durante cinco annos em apoio do governo legal, se por ventura fosse per- turbada a tranquillidade da nova república. i Contra essa parte daexposicáo da circular, o autor do folheto com a mais engenhosa boa fé levanta altos clamores. O governo brazileiro falla súmente do prazo de cinco annos, durante o qual devia existir o direito de intervencáo; já porém que nao cita as pa- lavras textuaes da convenció que determi- nara de quando deve principiar a correr esse prazo, mostra evidentemente que, na sua pérfida política, quer o direito eterno de in- tervir! Sao assim dessa boa fé e desse quilate todas as observares do analysta ! Mas, so houvesse esse pensamento de se- — 17 — creta perfidia no gabinete brazileiro, para que fallaría da limitadlo a cinco annos do direito de intervir ? Bastar-lhe-ia fallar no reconhe- cimento da necessidade da intervengo; e ainda, quando a ella sómente se houvesse referido, fácil seria provar que cahiain em falso as observacóes do analysta; porquanto o gabinete imperial nessa parte da circular nao faz senáo esbocar em traeos largos o qua- «1ro histórico das relacóes internacionnes da República Oriental, sem dahy deduzir direito algum. Nao Ihe era pois necessaria essa mi- nuciosa citacáo de palavras, já que com ellas nao quería autorisar o procedimento que adoptára. Felizmente porém a circular nao foi táo lacónica nesse ponto como poderia ter sido, fallou no prazo de cinco annos em que era autorisado a intervencáo, e assim obrigou o inimigo da política brazileira a disparatar completamente, quando a aecusa do reser- var-se o direito de exercer eternamente a in- fluencia e o predominio da intervencáo nos negocios da República Oriental. Náo, o governo declara que na convencáo de 1828 fóra estipulada a intervencáo por cinco annos, declara pois qual o prazo dessa intervencáo, eseommitte a epocha em que esse prazo devia comecar, náo ommittindo o em que devia findar, é por ser isso inteira- inente indifferente. Desde que o prazo devia- 18 — acabar ein cinco nanos, se nao se declarasse na convencáo quando dcvia comecar, era evidente que cometaria no dia da data da convencáo, e isso o restringiría mais do que o que se havia estipulado. Só os approndi- zes da eschola diplomática de Rosas poden i levantar assim sobre urna ommissáo de cir- cumstancia táo indiflerente castellos táo fa- céis de derrocar. Vejamos agora se na estipuladlo de urna intervengo de potencia extrangeira nos ne- gocios internos de urna nacáo ha quebra da sua independencia. £' essa urna das questóes mais importantes, indicadas no folheto com que nos occuparaos, tanto mais quanto nao é simplesmente histórica ou especulativa, 6 toda practica e actual. 0 Estado Oriental é urna república independente, e todavía actualmente tem o Brazil na sua capital urna torca de 4,000 pravas, exerce urna interven- cao activa. Occupemo-nos pois com ella mais de espado. Reconheccmos quo nao é das mais agra- daveis posicóes para um Estado a em que a intervencáo extrangeira nelle se exerce. Se essa intervencáo é oxercida contra a sua vontade, imposta pela forca, póde-se consi- derar, ao menos temporariamente, e em quanto dura a accáo da forca, como sus- penso por esse facto o direito da sua sobera- nía e da sua independencia. Quanio poréni — 19 — essa intervencáo é exercida em virtude do tractados que o Estado, de plena posse de sua soberanía e independencia, consultando na sua prudencia os seus interesses, livre- mentc acceitou, a intervencáo pode ser urna latalidade, nao involve porém urna oflensa, nao involve a menor quebra dos direilos so- beranos. Quando emfim a intervencáo nao pode ser exercida senáo com certas condi- cóes e em certa medida, calculada pela pru- dencia do Estado que a estipulou, quando nao se exerce senáo como om auxilio ao seu governo contra as facióos, e a pedido desse proprio governo, essa intervencáo nada tcm que noerega reparo, e a prova 6 que o pro- prio autor do folheto declara que náo re- provaria urna intervenido brazileira a justada ao espirito dos tractados. Se essa intervencáo confere direitos, como impoem obrigacóes, se é preferivel a posi- cáo do Estado, que para manter-se contra as íaccóes, acha forca bastante na autoridado propria, lamentemos que haja Estados cujas circumstancias deploraveis, em consequen- cia especialmente de erros passados, sáo taes que Ihes tolhem os meios de salvar-se a si mesmos, de sahirem por si mesmos do abismo em que se lanraram ; a intervencáo ainda nesse caso 6 útil; pois serve de liccáo poderosa ao patriotismo, para que evite os erros deploraveis que a tornnm nccessaria.— 20 — Armados com o dircito de intervengo, quer estipulado etn tractados, quer invocado i:m virtude dos principios de seguranza, ou usurpado pela forca, alguns Estados tem por diversas vezcs, e a historia, aínda mesmo a de nossos dias, o atiesta, exercido sobre ou- tros urna pressáo funesta com vistas ambi- ciosas: o Brazil porém nao imita esses excm- plos; por isso nao loma elle a dianteira na inlervencáo, por isso nao quiz, nem quer, nem hade nunca querer ser parte principal rías questóes intestinas da República alliada; deixa-lhe toda a sua soberanía e indepen- dencia, e sómenle obra como auxiliar da au- toridade constituida, quando essa auloridade o invoca, e quando enlcnde elle que, acce- dendo ao seu pedido, vae sustentar urna po- lítica esclarecida e salvadora, e nao dar as suas forcas e os seus recursos para impór á nació alliada um régimen fatal de oppressáo p de violencias. Como nessa exposigáo a circular referc-se ao reconhecimento expresso na convenció de 1828 do direito de intervencao por parte do Brazil, a bem da independencia e da tranquillidade da República Oriental; como ao depois menciona as lamentaveis occor- rencias em que de um lado a guerra civil, do outro as vistas ambiciosas do dictador argentino Rosas involveram a misera repú- blica, sena que o Brazil interviesse, appro- - 21 — veita o a utor do folheto a opporlunidade dessas referencias para revelar o seu mais intimo sentimento, e restaurar essa longa polémica diplomática que occupou táo afin- cadamente a chancellaría argentina. Era dever do Brazil intervir, desde que suppoz ameaeada a independencia da Repú- blica Oriental: porque nao interveiu? A ambicáo do dictador argentino tinha por fim a absorpcáo da República Oriental : porque deixou o Brazil passar tanto tempo sem pór cobro a essa ambicáo ? e porque alé celebrou com elle um tractado para acabar com a heroica resistencia que lhe oppunha a cidade de Montevidéu? Essas interrogncóes, longamenle desenvol- vidas, occupam estiradas paginas do folheto argentino. Acompanhal-o-emos ñas suas priucipaes proposicóes ; todavía antes de o fazermos, cumpre-nos examinar qual a forca de urna obrigagáo de intervir, qual a posieáo que em frente da ambicáo de Rosas assumiu o Brazil. A estipulacáo da intervencao de um Estado nos negocios de outro nao pode ser por fórma nem-uma a obrigagáo positiva e deter- minada para o Estado que deve intervir, de dar suas forcas, seus recursos ao Estado a bem do qual tem de intervir. Se asssim fosse, o Estado interventor seria o instrumento pas- sivo da vontade, dos interesses do outro,— 22 — seria por elle de sigua modo, e em alpuma parte escravisado, e isso nem se compadece i.oni o direito, nem com a razíio. O Est.ulo interventor deve consultar na sua propria prudencia a opportunidade da intervencao, a justiga e a moralidade del la. Essas cstipu- lacóes pois nao podem ser daquellas que conslituem urna obrigacáo pcrfeita, trazendo para qucm Ihe está sul>jeito o devcr de a nada altcnder, do nada consultar, e de pres- tar cegamente, ainda em damno proprio, o olijeclo estipulado. Mais pro|>riamente con- siderada, a estipulucáo da intervencao seria antes um direilo do que urna obrigacáo, um direito, nao livre no seu cxercicio, porém limitado pelas rcstriccóes estipuladas, como por exemplo, a requisicáo do governo em cujo payz tem de fazer-se a intervencao. E tanto éassim, tanto a obrigacáo deintervir confunde-se com o direito do intervir, que o proprio autor do folheto, sem embargo de todaaatlencáo que Ihe merece a forga das pa- lavras, o alcance dos vocabulos,—pois sobre elles assenta em máxima parle o seu (rabalbo critico,—de continuo os confunde, chama já direito o que logo chama obrigacáo, e isso quer ñas suas chacóes de autores, quer na sua argumentarlo. Islo posto, porque nao interveiu o Brazil activamente o por meios militares, quer na lula entre Oribe e Fructuoso Rivera, quer na — 23 — luta entre a República Oriental e o dictador (pie a quería absorver? Porque a política do Brazil ainda náo po- día ter cssa forea de expansáo exterior que só pode ser exercida pelos Estados, quando tem chcgado a cerlo gráu de desenvolvi- mento e de estabilidode que nunca ponham em duvida a sua existencia interior. 0 genio das tempestades que tem soprado sobre a America meridional, tambem nem sempre respeitou o imperio do Brazil; foi necessario que apagassemos as faiscas que de vez em (piando se ateiavam em nossa patria, para que nunca se transformassem em incendio ; Coi necessario que o principio salvador, a au- toridade, ganhassse forcas para desarmaras facgoes, e para convencel-as de que o nao poderiain abalar. Conseguimol-o, gracas á Providencia, gracas ao bom senso dos nossos patricios, gracas ao tino dos nossos Estadistas, conseguimol-o sem urna só me- dida de reaccáo, sem que urna só gota de sangue nacional fosse derramada ñas execu- róos políticas, sem que osolfrimento de um só cidadáo durasse além do dia de seu arre- pendimento : a bsndeira da autoridade no lirazil está pura de toda a nodoa, quer de sangue, quer mesuao de lagrimas. Conse- guimol-o : a paz publica no Brazil é uní tacto inabalavel; já dcsse facto colhemos as vantagens no desenvolvimento da prosperi-— 24 — dade nacional e particular ; já com a firmeza e a estabilidade assim adquiridas, pode o gabinete dirigir a sua attencáo e os recursos do payz para o citerior, e dar todo o devido cuidado as suas relacóes com os outros povos. Antes porém de termos chegado a esse ponto, nao pense o autor dofolheto que des- amparasse o governo do Brazil a causa da República Oriental : se a nao sustentamos desde logo com as nossas armas, com os es- i'oreos da nossa diplomacia a protegemos ; vigiamos todos os passos, todos os progres- sos do dictador e dos seusalliados, e quando emfim, nao houve mais que duvidar, quando ¡* ambicao do dictador parecía prestes a as- senhorcar-se de desejada preza, apparecemos para contrastal-o; a nossa esquadra no Prata, os nossos recursos, o nosso exercito mostra- ra m que nunca sacrificamos o interesse das nacionalidades nossas alliadas. Porque, conhecendo o governo brazi- leiro as vistas ambiciosas de Rosas, com elle procurou tractar acerca dos negocios orientaes? pergunta o autor do folheto. Ha um engaño nessa expósito; nao foi o gabinete brazileiro quena procurou tractar, foi o ministro argentino quem sollicitou esses ajustes de I8i3; e nelles, em vez de pre- terir-se a causa da independencia orienta , dava-se-lhe urna nova consagrado e garan- — 25 — tía. Acabada a guerra pelos esforc,os combi - nados do Brazil e da República Argentina, assumia immediatamente o Estado Oriental, na escolba do seu governo, os direitos da nacáo soberana. Na parte relativa ao Estado Oriental, esse tractado se achava dentro da le ti ra e do espirito da convencáo de 1828; vinha dar o modo de realisar aquillo que nella nao havia sido previsto nem definido. E já que se menciona essa tentativa, cumpre que o autor do folheto se recordé de que foi o jogo da diplomacia argentina, por occasiáo della, o que mais serviu para nos fazer com- prehendero machia vélico alcance da política de Rosas, e mais seriamente desconñar de suas vistas ulteriores. E tambera cumpre reconhecer que se desde principio a politica do dictador argen- tino contra a República Oriental inspirou serias desconfianzas, nao foi todavia desde logo tao evidente que nos puzesse na obri- gacáo de travar urna lula para salvar a nacionalidade oriental. Rosas de continuo protestava que nao attentaria contra essa na- cionalidade, protestava em urna imtnensi- dade de documentos ; podia-se pois, se nao descancar em seus protestos, ao menos aguar- dar com vigilancia que o futuro dicesse quaes as suas verdadeiras inlencóes. Essa marcha progressiva do Brazil no des- tortinamento das inlencóes de Rosas é de 3— 26 — certo táo natural que nao carece ser justifi- cada nem explicada. Admira súmente que o autor do folheto Ihe nao quizesseatlender, e della tirasse arguicóes contra o imperio; Inculca elle que desde o dia ein que Rosas se involveu nos negocios orientaes, devia o Bra- sil ter plena convicgao dos seus planos e das suas esperances, vér desde logo os fins que posteriormente se tornarana notorios. Assiui poréin nao aconteceu, porque o Brasil náe precipita seus juizos, nem suas resolucóes em objectos de tonta gravidade. A principio nasceu a desconfianza; posteriormente foi-se ella aggravando; em 1843, no jogo da diplo- macia argentina, por occasiáo do tractado a (pue se refere o folheto, essa desconfianza tornou-se quasi certeza. Teve entilo lugar a inissáo do visconde de Atirantes, a (pie se refere o autor do opúsculo ; e por isso ñas instruccóes que lhe foram dadas lé-se a phrase que o autor do folheto transcreve. Os successos posteriores, o que occorreu de 184-i, epocha dessa missáo, a 1851, epocha a que se refere a circular, foram tornando cada vez mois notorias as inteneóes do dicta- dor, e trazendo para o Brazil a neces¡»id;:dtí de fazer succeder urna política activa á poli- tica expectante ate entáo seguid*'. Urna das consequencias que com mais es- tudo procura o autor do folheto deduzir das expressóes da circular é que na convencSo — 27 — de 1828 nao pode o governo do Brazil ba- scar direilo algara de intervengo. Certa- mente nao cram necessarios tantos es forros de dialéctica, nao era necessario incommn- dar a Grooio, nem a publicista algum, para chegar a essa conclusáo, por quanto a cir- cular nao tracta da validade dessa convene/m, quando outras posteriores, os mais solemnes Iniciados a completa ra m, e confirmaran) o pensamiento della vosso esforco; porque só nos romances e nos poemas, e nao no mundo real dos nos- sos dias, os astutos Sinons podem illudir in- cautos Tioyanos. Neui siio sómente argucias de dialéctica as que distinguen! a analyse com que nos occu- pamos; argucias grammaticaes tambem Ihe scrvem. Por exemplo, depois de terindicado os soll'rimentosdosinteresses brazileirosque haviam determinado a intervenrao de 1851, a circular diz: « Para cumulo de tantos nia- les, a consummacáo da absorpcáo do Estado Oriental pelo dictador Rosas collocava, etc. » Ah ! diz o sophista, pois estova consummada a absorpcáo do Estado Oriental! E eil-o a in- dagar aonde se manifestava essa absorpcáo, quem a havia exercido, e nada adiando, eil-o a concluir que a proposicao da circu- lar era urna pérfida inexaclidáo. — 33 — Para que tanto afán e tanta lida ? Se logo nbaixo a circular declarou que o Brazil fez liga rom o Estado Oriental, para livral-o e Jivrar-seasi desses perigosquea continuaráo da política de Rosas trar-lhes-ia, evidente- mente nao podia dizer um pouco ácima que esse Estado tinba já sido absorvido, que já eslava consummada a sua absorpcáo : para que o nao dicesse, nao eram necessarias as luzes do político, bastava a sagaeidade do mais ordinario escriptor, quando nao a mais simples altoncáoá ordem dos factos. De feito, a circular nao podia dizer, e nao diz que a absorpcao eslava consummada, diz que a consummacáo da absorpcáo collocava... e por isso era necessario evital-a. Nao queremos alongar por domáis este opúsculo, que só a magnitude dos irtteresses com que se occupa recommendará sem du- vida á paciencia do leitor; por isso nao fa- zemos aqui um esboco mais ou menos elo- quente do estado em que o territorio da Re- publica Oriental se achava quando, para re- sistir ás forcas rosistas, os Orientaes inde- pondentes, encerrados na sua heroica capi- tal, gunrdavam nella o fogo sagrado da na- cionalidade e da civilisaoáo '•ora um deno- do que os contemporáneos nao admiraran) tanto como o ha de admirar a posteridade ; nao mostraremos tambem que, rhegado ao ultimo apuro, o heroísmo nao é obl igado a— 3V — impossiveis: que nesse ultimo apuro estiva a ciilade heroica 6 inquostionavel, e ninguem, a nao ser o maior detractor da sua ploria e dos Mu dos seus habitantes, o contestará. Foi nesse estado que o Brazil viu imminentc a absorpcao da República, e reconhercu que, consummada eíla, ficava elle exposto o pe- risfos que cumpri i c mjurar. Se esse seu procedimenlo nao foi de pru- dente, nao foi de zeloso respeilndor dos di- reitos alheios, se nao Coi de um poverno que nao tem a mira em conquistas tprritori; es, 011 noexerciciodo ülicilas influencias, o certo 6 que nño poderá ser acojinado sonáo por quein quereria que elle procedesse de modo diverso, para dar fundamento á nrcusaeáo que lhe faz de ter sido sempre consequenle no pensamento de exercer no lisiado Orien- tal urna influencia positiva e directa. Chega-se em fim ao ponto mais doloroso da circular e da historia para o autor do fo- Iheto : falla a circular da coalicáo de 1851 que lihertou o Estado Oriental, c poz termo «í tyrannia de Rosas no Rio da Pr.ila. A cir- cular diz que foi o Brazil quem organisou essa liga, e nao dedigna a «loria que della, dos seus esforcos, do seu triumpho lhe cahem. Ora, a parle que ao Brazil coube em todos esses successos é tilo eviden'e, consta de tantos documentos, o la o umversalmente co- - 35 — nhecida ; della tao nobres e táo espontáneos teslemunhos deraui quantos para esses suc- cessos cooperaran), que negal-a parecería mais diflkil do que negar a luz ao pino de meio dia. Fois bem ; o autor do folheto nem essa gloriasinha nos consente ! 0 pensamento da liga nasceu em Entre-Rios, robusteceu eui Montevideu ; gracas a esse pensamento, a Banda Oriental reconquistou a paz, e har- monisou seus filhos com a grande ideia de sua regeneracáo social : esse pensamento, Orientaos e Entre-Rianos fizeram-o trium- phante em Cüseros. Para elles toda occasiáo fui propicia para derramar o sangue das suas veías. E o que fez o Brazil em ludo isso ? Recostou-se nos hombros dos Orientaes o dos Entre-Rianos! E digam lá que a chancellaría de Rosas n¿lo era boa escota para aprender a inventar a historia ! Infelizmente para taes genios, a historia da epocha em que vivemos nao se inventa, narra-so; pois contra a invenido que faria geüo ao inventor, e que puderia agradara alguns, protestam mil documentos do mais incontc-stavel carácter, mil teslemu- nhas presenci.ies, e o bom senso publico. O inventor apenas poderá ganhar urna patento de ridiculo. Nao queremos despertar susceptibilidades, nein aqui avahar quem mais, quein menos».— 36 — foz de entre os alliados contra o dictador ar- gentino ; o que ha a ganhar nisso? A historia o dirá: elle verá a diplomacia hrazileira sem- pre activa e vigilante, reunindo, animando quantos sentiam o impulso de urna justa indignnráo contra o dictador, quantos li- nham de defender-se contra seus planos de dominio; ella mostrará os ajustes secretos, e os tractados públicos que firmamos, os subsidios que dispendemos, a constante ac- tividade da nossa heroica esquadra noPrata, a aproximarlo do nosso exeteito e o desani- mo de Oribe e a consequente libertacüo de Montevideu, ella mostrará os louros do To- nelero, a brilhante divisáo hrazileira etn Caseros I Taes e tantos testemunhos nem carecem ser invocados, para que o magná- nimo esforzó do escriptor do folheto apenas ganhe a patente do ridiculo. 1£ até nao repara que, na omissáo de fac- tos táo gloriosamente reconhecidos, que nes- se raesmo arrojo com que nega a impor- tancia dos servicos- que prestamos á causa da civilisacáo americana, á causa orien- tal, á causa argentina, mais patentea a razao da cegueira dos seus odios ! Segue-se na circular urna breve indicacao do estado de ruina em que depois da paci- íicacao se achou a República Oriental. Eis o que ella diz : « O EsUdo O'i'nlal comtudo, ao entrar no gozo de — 37 — Rita liberdade, achou-sé em urna situacáo deplo- ra vel. A campanlia havia sido devastada, e a cidade de Montevideu havia sacrificado tudo quanto um povo pode sacrificar durante sua longa e heroica defeza. A populacáo havia diminuido tanto que a república contava apenas 130,000 habitantes. A criacáo, que 4 a sua única industria, eslava quasi completamente arruinada pelo aniquillamento do gado. Os capitaes haviam d^sapparecido. Os hábitos do traballio estavam esqu°cidos. As propriedades e as rendas publicas tinham sido alienadas por longo tempo; pesa va sobre ellas urna divida relativamente enorme, a qual venficou-se depois que montava a mais de U0,000,000 pesos íortes, e urna grande parte da popularan reclama va subsistencia, recompensas ou indemnisaepes.» Queréis a prova do patriotismo do autor? Reconhece elle que tudo isso é verdade; consola-se porém com a certeza de que es- ses males nao constituem urna especialidade da sua patria, sao communs a todos os payzes que estáo em guerra civil. Esperaes alguna grito do coracáo contra a guerra civil, algu- ma imprecncao contra os que nella arrojam a patria? Deixae a esperanca : acharéis pelo contrario urna palavra de suspeita, de des- confianca, de ameaca tal vez, contra a ambi- cio e a intriga importadas de fóra, contra as influencias externas, serapre perigosas e no- civas, quando se impóe pelas combinacóes mais ou menos acertadas da diplomacia.— 38 — E entáo? nao 6 um Oriental tao patriótico e táo esclarecido o escriptor do folheto ! Pro- sigamos porém, que melhor veremos trans- Juzir esse patriotismo. Diz a circular: « O enviado extraordinario e ministro plenipoten- ciario da república nesta corte, apresentando este lú- gubre quadro, e manifestando com elle os perigos que correría a mesma nacionalidade de seu payz, se nao fosse forte e generosamente auxiliada, sollicitou do governo do Brazil, em nomc do seu governo, o auxilio de que este carecía. O mesmo propóz e apresentou os projectos das i laclados que se concluiram em 12 de outubro de 1851.» E' ainda a chaga dolorosa do autor do folheto, essa que mostra que nem todos os que fallam hespanhol na America compar- tem contra o Brazil os sentimentos de ciume e de desconfianza que Rosas procurou fo- mentar, e que, se herdados das velhas lutas e indisposicóes entre Portuguezes e Hespa- nhóes, tendem necessariamente a dissipar-se com o progresso da civilisacáo, e o melhor conhecimento dos recíprocos interesses. Por isso o autor do folheto cometa declarando que nao sabe se o verdadeiro esse trecho, nem alé que ponto é verdadeiro ; o que pela nossa parte nao sabemos é como um escriptor que nem se quer dá de si a garantía de urna personalidade conhecida , altreve-se a por am duvidao que em um documento official, — 39 — de elevado carácter, affirma um governo ; mas emfim, para esse anonymo esse go- verno é um inimigo, e contra o inimigo ludo lhe parece lícito. Passa depois a reprehender ao enviado oriental, se chegou a essas uaanifestacóes humilhantes, e a esse tom de supplica, e pergunta-lhe que perigos eram esses que corría a nacionalidade oriental; pois se por alguma parte estava amearada, seria só pelo Imperio. Nao nos parece que possam ser humilhan- tes as manifestacóes verdadeiras de um estado lamentavel embora, mas cujos infor- tunios nao sao devidos a erros ou crimes ; nem pensamos que deva ser arrogante o tom de quem pede a outro ura soccorro que o arranque á ruina ; mas no trecho da circular com que nos oceupamos, nada vemos de onde ressumbre que foi suppli- catite e humilhante o procedimento do mi- nistro oriental ; tudo pelo contrario nos affirma que elle, melhor do que o escriptor do folheto, elle, cujo amor á sua patria e cuja intelligencia sao geralmente reconhe- cidos, tomaría o tom conveniente á posicáo em que se achava, e aos interesses de que tractava. Quanto aos perigos que ameacavam a na- cionalidade oriental, mío sao táo difficeis de ver que seja necessario grande attencáo para— 10 — descobril-os. Todos no Estado Oriental os sentiam ; nisso havia unanimidade, todos contra elles reclamavam a accáo do Brazil, e tanto e táo poderosamente, que aínda hoje o proprio autor do folheto, querendo fingir-se Oriental , escreveu acerca da intervengo aquellas importantissimas palavras que dei- xámos ácima transcriptas. Os perigos únicos para a nacionalidade oriental podem vir-lhe do Brazil, affirma o autor do folheto ; ¿ muito bom e patriótico ir dizendo isso, ainda quando se tenha ante- riormente dicto que nao se é animado por ideias contrarias a urna intervengáo brazi- leira, adequada ao espirito dos tractados ; como porém sustenta o autor do folheto essa assercáo? « Durante o dominio portuguez, e mais tarde, o Brazil mostrou sempre urna política aggressora e um ardente desejo de predo- minio sobre este formoso payz. » Durante o dominio portuguez, o Brazil náo podia mostrar cousa alguma, engana-se o autor do folheto. Brazil e Buenos-Ayres, eramos possessóes de uacóes européas, e ñas desavencas que entre si tinham os seus reis, achavam-se involtos, sem responsabi- lidade propria, sem moralidade sua, todos os seus dominios. Táo mal cabido é nesse passado ir buscar explicacóes e reavivar ressentimcntos, como ser-nos-ia a nos ir — 41 — estudar o que soffremos no tempo dos Hes- panhóes, quando os Philippes de Castella cingiam a coróa de Portugal e dos seus do- minios, para o attribuirmos em culpa aos nossos conterráneos de rara hespanhola. O segrcdo da política portugueza, quanto aos dominios hespanhóes da America meridio- nal, licou em Lisboa. Nos primeirus tempos da independencia houve os acontecimentos historíeos que todos conhecem. Estavamos entáo em todas as confusóes, debilidades e incertezas que sao para as nacóes, como para os individuos, condiróes da infancia. Todavía, e a frouxi- dáo com que ao depois sustentamos a guerra o prova, um sentimenlo de muí pronun- ciada repulsao arredava já entáo a opiniáo brazileira da aggregacáo da Cisplatina ao Imperio. Foi essa repulsao instincliva de nacionali- dades que podem viver irmáas, mas quo náo podem amalgamar-se, o que creou a independencia do Estado Oriental; que náo foi por certo, como se compraz em afigurar o autor do folheto, urna imposicao da vic- toria. Posteriormente, o Imperio tem-se desen- volvido ; sua populacho orga por nove mi- Ihóes de habitantes, sua receita excede a quarenta mil contos ; o commercio, a agri- cultura florescem ; a opiniáo ganha forras,— 42 — com a illustracáo que se dissemina, com a reflexáo que nasce do contacto dos homens e dos seus diversos pensares, especialmente quando para sazonal-a ha sempre a calida temperatura da livre discussáo da tribuna e da imprensa. 0 que, a principio nao fura senao a repulsáo instinctiva de nacionalida- des diversas, tomou forcas na propor^áo desse desenvolvimenlo, e hoje é a conviccáo profunda e intima de todos os Brazileiros que o Brazil, quer como nafáo, quer como imperio, tudo tem que perder, nada que ganhar com a posse desse payz por mais formoso que seja, quando ñas vastissimas extensóes do seu territorio acham-se inclui- dos centenares de payzes que em formosura nada lhe cedem, e em umitas outras cousas se lhe avantajam. Descance pois o espirito atribulado do anti-brazileiro autor do folhelo, que em quanto o nosso Rio Grande nao vir todos os seus campos povoados de homens laborio- sos, todos os seus rios sulcados de vapores que ponham em communicagáo essas po- voacóes; em quanto a nossa quasi deserta Sánela Catharina, o nosso Paraná nao hou- verem chegado ao gráu de prosperidade a que infallivelmente chegaráo; em quanto o valle do Sao Francisco, o valle do Amazonas nao nos houverem dicto todos os segredos da sua riqueza, nao poderá haver payz, por — 43 — mais formoso que seja, que excite a nossa concupiscencia. E quando conseguirmos o gráu de desenvolvimenlo e de prosperidade que anhelamos, inveja e modelo de todos os payzes, por mais formosos que sejam, a nem-um delles teremos que invejar, a nem um poderemos cobijar. Seguindo urna política táo nobre quao phi- losophica, podemos desejar que os nossos visinhos que, como nós, se acham em pay- zes formosos, saibam approveitar a sua formosura, poderemos ajudal-os a fazel-o, quando quizerem que os ajudemos, nunca porém consentiremos que, quando da for- mosura do seu payz nao queiram gosar, ve- nham-nos perturbar a nós no goso da do nosso. Outro motivo allega o autor do folheto para mostrar que o único perigo para a na- cionalidade da República visinha pode vir do Imperio : esse motivo é a diversidade de suas instituicóes. Ainda bern ; é um motivo apparentemente lógico, o contagio das ideias e do exemplo, e como outr'ora havia gente que suppunha dizer um grande conceilo, quando affirmava que era insustentavel a raonarchia no Brazil porque o Brazil estava na America, assim pode o escriptor rosista per- suadir-se que é de um grande conceito en- tender que urna República « povoada apenas por cento e tantas mil almas, desolada pela— u — guerra, dividida era faccóes e parcialidades dislinctas, que tem sido preza de toda as mais tremendas calamidades » corre grande risco só pela visinhanca de um Imperio «prospero, rico, unido, feliz. » Nao será porém de melhor conceito espe- rar que essa prosperidade, riqueza, uniüo, felicidade irradiem sobre a república visi- nha, e obriguem os seus povos a pensar ñas causas de que podem ellas dimanar? E se pensarem, nao as descobriráo? se as dcscobrirem , o seu patriotismo as nao adoptará ? Adoptal-as-áo de certo, e já as váo adop- tando : já vae-se reconhecendo que tudo depende da ordem, da estabilidade das cousas, do respeito á lei, da forra da autori- dadc quanto á política, do amor ao trabalho quanto ao moral e ao material ; já ao antigo systema de depredacóes e de cau- dilhagem, que tudo devastava, ainda no meio das inquietacóes e da furia das pai- xóes nao serenadas, um como anhelo ge- ral se faz sentir nesses povos, especial- mente ñas suas novas geracóes: é o anhelo de ordem, 6 a aspiragáo para a civili- safáo. Esse anhelo desenvolver-se-á, essa aspira- cao contentar-se-á, hoje, a man lia, um dia: tenha disso certeza o autor do folheto, e o Imperio folgará inuito que para esse resul- — 45 — tado tenham contribuido a sua visinhanca e o seu exemplo. Nem receie elle pelas instituicóes republi- canas : a república nem sempre é a anar- chia ; vive e floresee a república dos Estados Unidos, e, colonia ha tresquartos de seculo, faz-se já contar entre as grandes potencias do mundo. Vive e floresee na nossa America Meridional urna república de lingua e de origera hespanhola ; porque nao ha-de, como esta, vi ver e florescer a República Oriental ? porque nao ha-de ser um segundo Chili ? 0 elemento monarchico é incontestavel- mente um dos mais enérgicos que compóe a autoridade, e os hábitos das sociedades mo- narchicas mais facéis se prestam áacráo della; d'ahi porém nao se segué que a república nao possa constituir urna autoridade com os necessarios elementos de forca. E felizmente para a humanidade assim nao é ; pois urna monarchia nao se improvisa ; exige indis- pensalvelmente um monarcha ; e esse nao 6 seriamente tal, se nao esconde a sua origem na noite das geracóes passadas, se nao gosa, por si e pelos seus ascendentes, do respeito, da venerarao tradicional da sua nacáo. Ora nem a todos os povos é dado ter um mo- narcha, e a todos é indispensavel o princi- pio da autoridade. Engana-se pois completamente o autor do— V6 — Folhelo : do Imperio, menos do que de qual- quer outra parte, pode vir perigo para a na- cionalidade da República Oriental. Querelle que lhe mostremos de onde Ihe podem vir, e de onde necessariamente lhe liño de vir esses perigos? Podem vir-lhe da funesta tendencia que procure dar aos espiritos algum escriptor irreflectido confundinJo as nacionalidades dos povos de urna e da outra ribanceira do Prata. Hao-de lhe vir desse espirito desin- quieto e de turbulencia das povoacóes do campo, que o trabalho do pastoreio nao oc- cupa bastante, e a quem nao impoem sufi- ciente assiduidade, para que nao acompa- nhem o chefe que as chama a urna correría, se a fama desse chefe lhes assegura o prospero éxito da empreza. Hade de vir dessa belliciosi- dade que tantos ahi julgam táo nobre, que to- dos, aínda os mais pacatos, flngem-se della possuidos, e cujo resultado é transformar toda discussáo em rixa, toda a rixa era guerra civil. Ahi o perigo; para ahi a cura immediata. Quanto ao outro, ao perigo remoto, esse, Deus, e mil circumstancias que inopportuno fura aqui indicar, o des- viarlo. Os periodos seguintes da circulnr quasi que nao excitaram o reparo do analysta, que apenas sobre elles diz, para nao perder o coslumc, duas ou tres banalidades. — 47 — Sao assim concebidos. « Estes tractados, que removeram asqucstóes pen- dentes entre os dous payzes romo meio de chegar a iro de 1851 diz textualmente que as duas altas par- tes contactantes convidarlo aos Estados Argentinos a que, accedendo as estipulacoes que precedem, fa- cam parte da allianca nos termos da mais perfeita igualdade e reciproridadc.» Como porém para compensar-se, ao trans- orever o seguinte, que diz : «Fiel assim com escrupul osa religiosidade á política da convencáo de 1828, dispensou o Brazil com máo larga a protcc<;ao que lhe foi permittido dar ao Es- tado Oriental.» O autor do folheto entrega-se a toda a emphase para pulverisar o totn arrogante com que o Brazil quer allucinar o pensa- tnento com os ouropeis de urna munificencia jactanciosa, emoslra, para desmentir a nossa magnánima protecgáo, submersa a Banda Oriental na desolando e no luto, ostentando as fét idas por onde vue fugindo o sen sangue- 48 — generoso, e agitándose ñas convulsoes da morte: entao, afirma elle, suas palavras accusadoras teráo a magcsta.de e a unccáo que acompanham os últimos momentos de um povo brioso e valente. E' bonito, incontestavelmente bonito isso que ahi resumimos ; infelizmente é só de- clamado. A verdade dos factos, a que sem emphase se referiu a circular, e que sem emphase indicamos, 6 que o governo do Brazil fez pela República Oriental, para der- ramar balsamo ñas suas chagas, para estan- car o seu generoso sangue, tudo quanto um alliado desinteressado pode fazer. 0 que mais queria o autor do folheto que o Brazil houvesse feito, para que nao Ibe inspirasse esse trecho da circular a sua bellissima de- clamacáo, e nos poupasse os furores da sua emphase? Se mais houvessemos feito, ainda quando súmente sacrificios fossem da nossa parte, em pura perda e sem compensacáo, authorisariamos talvez, com isso que mais fizesse-mos, a sua mimosa accusacáo de que queremos predominar positiva e directamente no Estado Oriental. Prosegue a circular: « Infelizmente as suas intcncücs nao foiam bein apreciadas pelos que tomaram a directo dos nego- cios públicos daquelle payz, nem a propria situado do payz foi por clles bem comprehendida. As mesmas estipulares dos tractados que garan - tiain os direitos de lodos os habitantes nacionaes e — 49 — extrangeiros, as que estabeleciam bases para o re- nascimento do crédito publico, garantías á paz e con - iianca no futuro do payz, forain menos bem apre- ciadas.» Kssa censura que os factos, e nao o go- verno do Brazil, fazem á política exclusiva- mente blanquilla do presidente Giró, causa a maior extranheza ao autor do folheto. «O go- verno braziletro aecusandoante o tribunal das nacoes a urna administracao que ja nao se pítde defender, porque jé nao existe ! exclama elle horrorisado de tamanha atrocidade, e logo reconcentra-se na sua dór, e por ella inspirado, dá conselhos salutares aos povos de ambas as margensdo Prata; pede-Ihes que no escudo da patria apareen os golpes que lhes sao dados pelo extrangeiro, e isso quaesquer que sejam as suas syrapathias e as suas opinióes; «porque o decoro nacional 6 urna heranca conimum, táo preciosa que todos lhe devem render homenagem.» Chega a aconselhar-lhes que se a presenten), ao menos diante dos extrangeiros, á sombra de uuia só bandeira (queremos crt>r que aquí nao falla o autor do folheto aos povos das duas margens, mas sim aos de cada margem de per si, e por isso apenas indicamos, sem maior reparo, essa tendencia que póde vir a ser funestissima, de que já ácima íizemos mencao.) Nao estamos táo de tencáo fetta a aclwr 5— SO- mau tudo quanto vem no folbeto que nao digamos que ha salutarissirno conselho nesse trecho que deixamos resumido ; é pena que nao viesse bem cabido. De facto, que injuria tamanha fez a cir- cular ao decoro nacional da república al- liada, a esse decoro, heranca commum do povo oriental, dizendo que infelizmente o governo que succedeu á restauracáo da paz nao comprehendeu bem a situacáo do payz, as intencóes do Brazil e as eslipulacóes dos trac lados ? Tanto é urna triste verdade, que a propria república foi a primeira a sentil-a : o amor da paz, da ordem, da concordia que eslava em todos os coracóes, nao bastava para com- primir a inquielaeáo e o desassocego dos espiritos; por muis que houvesse desejo de arrefecer as paixóes políticas, ellas se in- candesciam ; a tribuna e a imprensa davam documento dessa posicáo anormal, da qual sahiram por tim o movimento de 18 de julho, e a revolucáo de 2o de septembro do anno passado. As contestacóes diplomáticas com o Brazil, as pequeñas chicanas que mais serviam para manifestar os caprichos da má vontade, do que verdadeiro zelo pelos direilos nacionaes, ahi estáo vulgarisadas , como vulgarisado está tudo quanto occorreu na República Oriental, e de tudo muita gente de muito — 51 — bom juizo concluiu que, no dia seguinte ao da sua installacáo, o governo dessa repú- blica persuadiu-se que eslava installado em seguimento de urna victoria alcancada pelas forcas combinadas de Rosas e de Oribe, na qual houvesse desapparecido esse general, e em consequencia da qual se houvesse todavía rendido a praca de Montevideu ao seu successor; que o Brazil com os seus tractados era um embaraco que cumpria arredar, com geito porém a vér se semprese obtinha a parte solida desses tractados, os subsidios pecuniarios. Urna política que assim podía ser tradu- íida, provaria por ventura muita comprc- liensáo da situacáo do payz ? Com ella pu- zeram-se em suspensáo as boas intencóes do gabinete imperial, e se as relacóes diploma- ticas desde logo nao se azedaram foi isso de- vido ao carácter altamente conciliatorio, ao espirito ameno e ao atilamento político do ministro brazileiro, que soube inspirar tanta confianca, e conquistar tantas sympalhiasna República Oriental. Com ella, depois de es- peranzas e malogros, trouce-se urna revo- lucáo. Acha o autor do folheto que o governo brazileiro nao podía a respeito della, e tendo de occupar-se rom as suas tristes consequen- cias, dizer duas palavras que a caracterisas- sem ? Offendeu o decoro nacional, e todos— 52 — os Orientaes, quaesquer que sejam suas opi- nióes, devem no escudo da patria aparar o golpe! Como! rnas se o decoro oriental está offendido por quem diz que o governo, contra quem fizcram os Orientaes urna revo- ]ucáo, nao comprehendera a situacáo do payz, que explicado dar dessa revolucáo? seria porque o governo ha vio comprehendido a situacáo do payz? Approveitem os Orientaes o que ha de ap- proveitavel nessa parle do folheto ; é voto que fazemos pela sua estahilidade ; saibam porém melhor applical-o do que aquelle proprio que o escreveu. Chegamos agora á parte mais grave da circular, aquella em que o autor do folheto mais fel derrama, da qual mais sangue qui- zera extrahir. Prosegue a circular: « Fo¡ neste eslado de cousas que se operou urna mudanza política naquelle payz. O payz parece.u acceilar esia mudanca, e nem-um osforco fez para sustentar a causa da presidencia do Sr. D. Juan Francisco Giró. O Rrazil nao se julgou obrigido a fazer-se parte P'incipal para emprehendcr urna guerra injustifica- vel rom o fim de reslabclecer aquella presidencia. Assim o mandón declarar o gfiverno imperial ao Sr. Giró, quando elle requisitou auxilio de foiQas ao ministro residente do Brazil em Monlcvideu. Depoisriesla declarncao apparecerain algnns cliefes em armas elancaram-se ñas correrías da guerra civil. — 53 — As armas do governo provisorio triumpharam em todos os pontos em que se mediram com as dos s«us contrarios, e dcsta dolorosa prova resultou só- mente a perda de muitas vidas, e nem-uma vanta- gem para a can. a do Sr. Giró.» Cada um desses periodos enuncia lacóni- camente factos gravissimos sobre os quaes renhida discussáo se tem travado e pode ser travada, sobre os quaes os inimigos do im- perio tem assentado e podem assentar ac- cusatorias declamacóes de certa gravidade. Tambem por isso mesmo tem sido esses fac- tos táo elucidados, táo explicada tem sido a política do imperio, o proceder do ministro brazileiro em Montevideu eodo gabinete na corte, que nao ha receio de que a verdade nao appareca ao entendimento de todos quantos dáo um minuto ao menos de atten- cáo a esses negocios. Fácil ó adevinliar o que elles inspirariam ao autor do folheto, que táo bem disposto se tem alé aqui mostrado para com o Brazil. Antes porém de verificar cada urna das suas proposicóes, digamos duas palavras sobre os acoutecimentos indicados nesses periodos. Sáo-nos ellas inspiradas pela lei- tura das pecas diplomáticas que o governo brazileiro, fiel á sua doutrina de nada oc- cultar, annexou ao relatorio do Sr. ministro de estrangeiros, e pelas declaraeóes ministe- riaes do mais elevado carácter, que nos de-— 54 — bates parlamentares apparecerain; sao-nos. completadas por informar-oes fidedignas que nos habilitaram para ter urna opiniüo fun- dada sobre as occorrencias internas de urna república túo intimamente ligada com nosco. Nao era fácil o governo da República Oriental. Ainda arredados os apuros finan- cciros e os embarazos que nasciam da ruina de todas as industrias, e da necessidade de achar recursos para manter urna populacáo que da guerra e pela guerra se havia acostu- mado a viver, havia difflculdades maiores, que exigiam todo o genio do político o mais abalisado. Governar um payz em urna epocha de luta, á frente de um partido, con- tra outro partido, é fácil; melhor ou peior, qualquer o faz; governar um payz em estado normal, quando tudo funeciona com mais ou menos regularidade, é tarefa de que po- dem dar sofl'rivel conta talentos vulgares: basta que, se nada podem melhorar, entre- guem-se á inercia : as molas bem regulares váo caminhando, o machinismo mareba por si mesmo. Quando porém se sahe de um periodo violento como o dessa guerra que assolou o Estado Oriental, quando, se ha nos espiritos um anhelo de ordem, e muito cansaoo, ha todavía coracóes ulcerados; e no meio delles tom-se de organisar o poder, de constituir a - 5o — autoridade, do entregal-a a individuos, todos com antecedentes de alliancas ou de anta- gonismos na guerra civil, o governo nada tein de fácil. Como apoio para facilitar-lhe a sua missáo, tinha o governo oriental a allianea do Brazil, tinta as bases de moderaejio assentadas nos Iractados dessa allianea. Se no dia em que tomasse conta da regencia do Estado, o novo presidente continuasse a ver os Orientaes divididos cm dous partidos, de um dos quaes se considerusse creatura, ou se cons- tituisse instrumento, ou até se o desse a per- ceber escolhendo seus agentes so nesse par- tido, a pacificac-ao nao se realisaria ; pois o partido contrario, com o instincto do perigo, conservar-se-ia desconfiado e suspeitoso: ha- veria urna especie de treguas, de suspensáo de armas, com todas as suas agitacoes, com todo o scu fatal accumular de ressentimen- tos e de rancores; paciGcac/io porém nunca haveria; o governo erraría a sua missáo. Que isso era o que acontecía na República Oriental, fácil foi reconhecer logo nos pri- meiros dias da sua organisarao. Debates acrimoniosos, suscitados desde logo no par- lamento, duvidas da má vontade no gabinete, especialmente quanto aos empenhos pecu- niarios e aos tractados, o denunciaram. To- davía os partidos internos estavaro caneados, e o cancano dava sofl'rimenlo: entretanto— 56 — podia-se esperar que as representares, os conselhos de urna potencia amiga, e cheia de condescendencia, apresentados por nin ministro de modos táo amenos, de carácter táo conciliador, e que Un ha conquistado tan- tas affeicóes e confianzas, produzissem o be- néfico efl'eito de abrir os olhos ao governo sobre os perigos da patria, e de fazcr-lhe comprehender que só muita moderagáo, muitissimo desejo de conciliagáo e de har- monía salvarían) a República. Esse papel tragado ao ministro brazileiro pelos saos interesses orientaes, consultado com todooatilamento da experiencia política, e dcduzido da lettra e do espirito dos tracta- dos, o ministro brazileiro o desempenhou de um modo que com ufanía pode ser alar- deado diante das mais velhas e mais habéis diplomacias. Pelos seus esforgos, as descon- fiangas e suspeitas de uns, se nao se appla- caram de todo, ao menos por longo tempo se conliveram, se moderaram; pelos seus esforgos o partido senhor do governo hesi- tou algumas vezes, e pareceu querer mudar de rumo. Infelizmente só pareceu ; funestas inspiragóes do espirito partidario para logo o desviavam desse salutar proposito. Chegou um día solemne nos fastos mon- tevideanos: a athmosphera política eslava borrascosa; discussao imprudente na tri- buua havia provocado a irritacáo.dos espiri- — 57 — tos. Devia haver parada; nessa parada a tropa de linha, cujos chefes pertenciam ao partido que defenderá a cidade, tinha de en- contrar-se em armas com rorpos de guarda* nacional de fora da cidade, que haviam mí-, litado no exercito sitiador, e esses corpos tambem estariam em armas : a simples pru- dencia fazia prever um conflicto; o rompi- mento seria o signal da guerra civil; todos em Monlevideu o presentían); toda a popu- larlo pacifica o previa atterrorisada. 0 governo ou o nao quería evitar, ou o provocava. 0 que fazia entretanto o minis- tro doBrazil? 0 ministro do Brazil sollici- tava, instava; mostrava a esse governo o abismo em que ia arrojar a sua patria : se nao quería modificar a sua política ache- gando-se ao espirito de conciliagáo, dando posigóes e garantías ao partido pelos seus amigos hostilisado, ao menos evitasse a occasiáo do infallivel conflicto, dispensasse esse festejo da parada. Nem isso era conce- dido, nao já ao ministro da potencia al- ijada, nao já ás razóes por elle invocadas, mas a esse immenso presenlimenlo e terror da guerra civil que da cidade toda se erguía para o presidente pertinaz! Houve a parada, o conflicto apparecou... Felizmente pude- ram-o atalhar a dedicagáo á ordem, o patrio- tismo e a forga dos principaes chefes do partido descontente.— 58 — Entáo o presidente pareceu recuar : talvez porque visse que nesse conflicto, a que táo pertinazmente déra occasiáo, os seus nao levavara a mellior, ou (alvez porque per- tenga elle a essa classe de individuos in- crédulos que náo concluem das causas para os effeitos, senáo quando esses effeitos se tornam palpaveis, se realisam. Entáo ainda para cssa conciliario, real ou simulada, que projectava, quem foi o grande medianeiro escolhido pelo presidente ? Foi o ministro do Brazil, cujos conselhos entáo súmente llie pareceram dictados pela prudencia, pelo tino politice Formou-se ura ministerio de coaligáo : houvesse boa fé, e o futuro, embora grave- mente comprometido, podia ser salvo. Essa boa fé nao houve; as concessóes feitas pelo presidente a bem da conciliacáo, no dia em que o seu poder parecía prestes a voar no meio da guerra civil, a que elle pertinaz- mente déra pelo menos occasiáo de appare- cer, foram ^iouco a pouco retiradas, e os ministros do partido adverso contrariados no poder ou delle excluidos por manejos, por infidelidades acintosas no cumprimento de promessas que lhes haviam sido feitas. Nesse estado de cousas, por raais desesperadas que parecessem, nao abandonava o minis- tro do Brazil a sua missáo conciliatoria. In- cancavel, moslrava ao presidente o abismo ; — 59 ~ incancavel, procurava acalmar a irritacáo dos descontentes. Por ta entendeu o presi- dente que devia impor ao partido descon- tente uní grande sacrificio : cumpria que um dos seus mais distinctos chefes se expa- triasse; em troco disso, far-se-lbe-iam as concessóes que a razáo e a prudencia im- punham. A delicada incumbencia de obter o pari- fico desenlace da siluagáo sobre essas bases a quem foi dada ? Ao ministro do Brazil : a elle se dirigiu o presidente, com elle enteu- deu-se, delle recebeu promessa de oceu- par-se com todo o empenho de táo penosa tarefa. Fel-o. Comprehende-se a diíficul- dade que haveria em conseguil-o; todavía conseguiu-o. O governo sabia do estado dessa negociado que commeltera ao seu zelo conciliatorio; tudo pois parecía ir se- renar, quando súbito recebe o ministro bra- zileiro a noticia de que o presidente, decla- rando em perigo a sua vida, e coacta a sua aecáo, se havia recolhido á casa da legacáo franceza ! Mas esse presidente náo havia retirado a missáo conciliatoria confiada ao ministro brazileiro, nem Ihe havia dado o menor aviso dos perigos que suppunha correr, da resolufjáo que premeditava tomar ; nem emfim, julgando necessario um asilo, tinha escolhido o do Brazil.— 60 - Do asilo a que se recolheu, dirigiu-se elle ao ministro brazileiro pedindo o auxilio de forca necessario para restaurar a sua au- toridadc constitucional, e respondendo-lhe o ministro que mal tinha ao seu dispor a pouca forra da guarnicáo dos nossos vasos de guerra, teve elle a felicissima inspiracáo de tornar-lhe que nesse caso pedisse aos ministros extrangeiros o emprestimo ou a coadjuvaráo da forca de vasos de guerra das suas nacóes que existissem no porto de Montevideo ! Entretanto na cidade se havia operado urna revulucao. Abandonado o governo pela desercáo do presidente, que de casa de uní ministro exirangeiro acolbeu-se para bordo de um navio de guerra extrangeiro, organi- sou-se um governo provisorio que, pelo menos, teve a vantagem immediata de t'azer com que nao bouvesse conflictos nem vio- lencias. Essa retirada do presidente declarando em perigoa sua vida, quando nada parecía aineacal-o ; essa sua retirada para o asilo de urna nagáo exlrangeira, quando alé a ul- tima bora parecía de intelligencia com o mi- nistro brazileiro, querendo emfim entrar em vías conciliatorias, dáo a esses últimos acon- tecimeutos a apparencia dos preparativos de urna opera a que se esperava dar as pro- porgóes do drama mais gigantesco, e san«- — 61 — guinolento. Nos primeiros dias porém nao se realisaram esses receios. A autorídade do governo , creado revolucionariamente pelas necessidades da siíuarao, foi recebida em toda a república : a guerra civil pareceu nao ter de realisar-se ; os cálculos dos que a provocaram ou desejaram, pareciam ter de ficar malogrados. Infelizmente nao durou muito essa quietacao ; alguns chefes em armas appareceram no interior, levantando guerrilhas ou montoneras, com suas costu- madas tropelías e devastacóes ; taes movi- mentos porém nao tinham base alguma no sentimento nacional; com pequeño esforro e em poucos momentos as armas do governo provisorio lhes puzeram cobro. Eis os factos, embora despidos de porme- nores , expostos todavía com desenvolvi- mento sufficiente para poderem ser aprecia- dos. Vejamos agora o folbeto anti-brazi- leiro. Protestando contra o que diz a circular sobre a nao ter o payz feito esforgo para sus- tentar a causa do presidente, o autor do folheto nao nos dá narracáo alguma dessas occorrencias, nao cita facto alguna ; falla em peripecias, molas secretas, cusIosgs sacrifi- cios ; nao quer porém explicar-se, e appella para a historia que a cada um fará justiga. Deixemol-o pois, e tanto mais quanto, se diz ello que o ministro brazileiro conhecia a 6— 62 — fundo os protagonistas e as molas dessas pe- ripecias, tambem logo reconhece que foi elle o ultimo dos ministros extrangeiros em Montevideu que se achegou ao governo pro- visorio. Essa deolaracao do inimigo 6 pois sufflciente para provar que o ministro brazi- leiro, na gravidade das novas circumstancias, encerrou-se na mais discreta abstencáo, já observando os acontecimentos, já aguar- dando as ordens do seu governo. Táo leal e táo digno foi o procedimento do ministro brazileiro, que o proprio presidente que se retirara, veiu, cheio de confianza, acolher-se á casa da sua residencia, onde permaneceu até que esse ministro se retirou de Montevideu. Corno o presidente, muitos individuos do seu partido buscaram o asilo prolector desse ministro, e assim antecipada- mente deram a mais completa resposta ás calumnias que posteriormente contra elle di- rigiram os adversarios do Brazil, e que feliz- mente o autor do folheto nao quiz approvei- tar ; pelo que damos-lhe justos emboras. O que porém nao pode elle levara bem 6 que o ministro do Brazil em Montevideu nao désse ao presidente refugiado o appoio das forras que reclamava, nos termos do trac- tado de allianca, para restaurar a sua auto- ridade constitucional. Ainda menos pode tolerar que o governo brazileiro nao man- dasse, logo á requisicao desse presidente, as — 63 — forcas necessarias para tiral-o de bordo do navio francez, em que se fóra refugiar, e leval-o em triumpho pelas rúas da capital até ao palacio da presidencia, e depois a ferro e fogo vencer todas as resistencias que Ihe fossem oppostas. Isso é o que o Brazil devia ter feito ; era chegado o casus faederis; reclamava-se-lhe competentemente a satis- faccao daobrigaráo contrahida: porque o nao fez ? Deixemos entregue o autor do folheto a suas declamacóes amplificando esse thema, e respondamos-lhe. Era primeiro logar, o ministro brazileiro em Montevideu nao era um mente-capto que pudesse commetter a loucura de pedir, como lhe aconselhava o presidente fugitivo, aos ministros extrangeiros o emprestimo das guarnieres dos navios de guerra de suas nacñes para, junctas com as dos navios bra- zileiros, perturbarem a paz de urna cidade que pelo seu governo, em planos de tragedia ou de drama, havia sido desamparada. Em segundo logar, permittirá o autor do folheto que, recorrendo ao seu proprio bom senso, lhe perguntemos:—pensa por ventura que o tractado da allianra deveria ter por effeito pór o exercito e os recursos finan- ceiros do Brazil á merco de um presidente cuja política,insustentavelmente louca.com- promettesse o presente e o futuro da repu-— a — blica ; dar-lhe os meios de comprimil-a, de conquistal-a, de denominal-a em provcito seu e de meia duzia de amigos ? Se tal fosse a consequencia necessaria do tractado de allianca, seria elle altamente deploravel para o Brazil, e para a República Oriental, para esta porque appoiado nos recursosdaquelle, o seu governo poderia pospór todas as considera- roes da juslica, da sáa política, e csmagal-n, para aquelle, porque teria de dispender de continuo o melhor do seu cabedal e do sangue dos seus filhos para servir aos capri- chos de um extrangeiro contra um povo digno de melhor sorte. Nao pode ser esta, o de facto nao é, a dou- trina do tractado de allianca e do subsidios. Para que appareca o casus faderis desse tractado, isto é, para quo se dé a occasiáo em que é devido o cumprimento da obriga- cao contrahida, nao basta que haja um pre- sidente legal fóra de seu lugar, e que este pega o auxilio para reconquistal-o. E' neces- sario que esse presidente, tendo sempre pre- cedido conforme os principios do tractado, em harmonía e de bom accordo com o seu alliado, houvesse sido apeiado do seu logar por urna faecáo ; é necessario que esse pre- sidente houvesse procedido de modo que nem desamparasse a nacáo, nem fosse por ella desamparado, e que só contra si tivesse o espirito faccioso, que cumprisse reprimir. — 65 — Ora, essas circumstancias indispensaveis para que apparecesse o casus foederis nao se deram ; o governo brazileiro nao só podia, como até rigorosamente devia, nao reconhe- cel-o, nao prestar o seu auxilio. De certo, que papel faria, nao só perante as naróes do mundo, como perante o pro- prio povo oriental, eaté mesmo no interior, perante a opiniáo do payz, perante a im- prensa e as cámaras, o governo do Brazil, se depois de haver com todo o empenho do zelo, com toda a amenidade das formas, com todo o a lilamente» da experiencia política sol- licitado, supplicado o presidente da Repú- blica Oriental a que abrisse os olhos sobre os abismos que a sua pertinacia estava cavando; depois de ser illudido, desdenhado nesses conselhos, nessas sollitacóes, a ponto de nem conseguir a suppressáo de um mero festejo que todos consideravam, que tudo mostrava ter de ser occasiáo próxima do rompimento da guerra civil; depois de in- volvido por esse presidente em urna nego- ciado com o fim apparente de effectuar urna conciliario de partidos, mas com o Gm real de adormecer na confianza dessa negoci- acáo os chefes do partido hostilisado por esse presidente; depois que esse presidente, fin- gindo-se ameacado em sua vida, jogou a ul- tima provocacáo á guerra civil, abandonan- do o palacio, e logo a cidade, e asilando-se— G6 — a bordo de utn navio extrangeiro; se, dize- mos, depois de todas essas raanifestacóes de má vontade, de desconfianza, houvesse, á re- quisicáo desse presidente, mandado submis- samente ao territorio oriental forcas bra- zileiras para, em proveito desse presidente, lutarem contra os males filhos dos erros desse presidente; —forcas brazileiras para restaurarem o homem que sempre desde- nhou os conselhos brazileiros que o teriam salvado; forjas brazileiras em fim para sub- jugarem os Orientaes a esse que nao com- prehendéra a sua missáo, que os nao quizera conciliar, que sempre vira na República dous partidos, um o seu, em quem confia va, o que nos dez annos da luta anterior estive- ra fóra da cidade, unido ao exercito de Ro- sas, outro o dos seus adversarios, o que nesses dez annos defendéra com heroismo o deposito sagrado da civilisacáo oriental ? Nao, táo baratos nao se dáo o dinheiro e o sangue dos Brazileiros, que o governo do Brazil os devesse e os pudesse prestar á res- tauracáo do homem, que nunca comprehen- déra nem quizera comprehender a política dos tractados em virtude dos quaes invocava o nosso auxilio. E como foi privado do poder esse presi- dente? Alguma faccao se ergueu contra elle, que para domal-a fosse necessaria a nossa Ínter- — 67 — vencáo? Nao: tractava-se de meios conciliato- rios, havia certeza de que, gracas aos esfor- cos do ministro brazileiro, esses meios, quaes os propuzera o presidente, estavam acceitos ; foi entao que inesperadamente de- sertou elle, voluntariamente, do seu posto, appellando assim para as faccóes, que o nao ouviram: e entáo, porque foi malogrado nessa esperanza, porque perdeu a partida que imprudentemente jogára, viria o Brazil com o suor e o sangue dos seus nobres filhos entregar-lhe de novo os dados para jogar nova partida ? Ninguem o dirá por certo, a menos que nao creía que pelo tractado de allianca e de subsidio urna nacáo, como a brazileira, se havia constituido dócil e passivo ins- trumento dos caprichos, quaesquer que fossem, de quem quer que fosse urna vez presidente legalmente eleito da República Oriental. Eis porque o Brazil nao deu o apoio pedi- do ao presidente refugiado; nao era dado o easus foederis. Sem attender á differenca dos tempos, acha o autor do folheto que a circular, quando falla ñas correrías da guerra civil, que appareceram depois que foi conhe- cida a declaracáo de que o Brazil nao da- ría o subsidio de tropa que Ihe havia sido pedido, cootradiz o que ácima havia dicto— 68 — do nem um esforco feito pelo payz para sus- tentar a presidencia. Acha igualmente que é inexacta a circular quanto á sorte dessas correrías; pois nem sempre as armas do governo provisorio sa- hiram vencedoras, nem lhes faz tño fácil o triumpho. Em tudo isso ha confusáo de epochas, exageraoáo de factos, que cumpre dilu- cidar. Quando se installou o governo provisorio, a tranquillidade publica, que na capital nao fóra perturbada, foi igualmente mantida no interior da República, e tal era a confianca que no bom senso dos seus compatriotas tinha o coronel Floros, um dos membros do governo provisorio, que sahiu para o campo á frente de alguma pouca forca, per- correu os districtos que se suppunham dominados pela influencia do partido do presidente, e por toda a parte recebeu adhe- sóes explicitas, chegando a sua affouteza até adiantar-se nesses districtos á frente de in- significante escolta, e de assim mesmo acal- mar todas as irritanóes, e obter todos os as- sen timen tos. Foram estas as primeiras noticias que de Montevideu recebeu o governo do Brazil: devia por ventura, ou ao menos podia, quando a República Oriental assim procedia, tomar elle em mao a causa do presidente, e — 69 — subjugar pelas armas da intervengo a Repú- blica que eslava unida sob o seu governo provisorio ? Evidentemente nao: a nota do governo imperial foi nesse sentido escripia; nao po- dia elle tornar-se parte principal em urna guerra de restauracáo. Essa tranquillidade porém dos primeiros dias, debaixo de cujas impressóes havia o governo brazileiro deliberado, foi poste- riormente alterada; mas como, e com que gravidade ? Sabe-se com que facilidade apresenta-se um cabecilha em armas na República Orien- tal, com que facilidade levanta um pequeño bando de depredadores, invade e devasta pequeños povoados, e estabelecimentos ru- raes. Sem principios, senao a confianca no cabecilha, e a esperanca da depredado, esses bandos nao podem ser considerados como expressáo de opiniáo alguma quanto ao go- verno do Estado, e os proprios chefes mais recebem a sua missáo das paixóes exaltadas, a que toda occasiáo é propicia, do que de um pensamento polrtico. Foram cabecilhas desses, foram bandos desses, os que se le- vantaran! na Campan ha Oriental. Podia o governo imperial vór nelles a expressáo da república em favor do presidente que se retirara ? podia unir-Ibes as suas forjas ? Ainda quando o quizesse, nao teria tempo— 70 — de fazel-o: de Montevidéu ao Rio de Janeiro corre vasto espaco, e quando a noticia desses levantamentos aqui cbegou, chegou igual- mente a da sua fácil dispersáo pelas forras adhesas ao governo provisorio. O que subsistía na república era a descon- fianza do futuro, a inquietacáo do presente, a exacerbacáo dos ánimos, e o comeco de divisóes, nao entre o partido do presidente que se abandonára, e o partido a que elle guerreara, mas entro as personagens in- fluentes desse partido que pelo appoio na- cional, e pelos erros, pelo suicidio do seu adversario, havia ficado vencedor. Taes sao as circumstancias a que se refere a circular nos seguinles periodos. « Porém nos tres mezes que durou a lata, a situa- rlo da republicatem empeiorado consideravelmenle. A populacao, já táo diminuta, tem soffrido urna perda que excede a quinze mil pessoas uteis. Os emigrados que vinliam para a república tem tomado outro destino. Os capitaes que principiavam a apparecer tem-se outra vez reodhido. O commercio acha-se paralysado. As rendas, alias escassas, estüo se consumindo por anticipacoes onerosas. A divida publica augmenta-se cada vez mais. Os credores do Estado, em cujo numero se encon- tram extrangeirosde diversas nacóes, vém adiar-se a esperanza de serení pagos. E, o que é tal vez pcior do que tudo, as paixóes e — 71 — os odios civis cada vez mais se enfurecem pela pros- cripcao de liomens, pelo sequestro de bens, e por violencias de todaa especie. » Nessa descripeáo do estado a que firou re- duzida a República Oriental, e que de bora em bora se ia aggravando pela incerteza do futuro, pelos terrores da guerra civil, pelos estímulos dados ao exaltamento das paixóes políticas, acba o autor do folheto muito que declamar, nao contra o presidente que com- prometteu os destinos da sua patria, [mas contra o Brazil, sim, contra o Brazil !.. Pois foi o Brazil do algum modo o causa- dor dos erros desse presidente, que os nao teria commettido, se tivesse tomado oscon- selbos da moderacáo política por elle apre- sentados? Pois foi o Brazil o irritador, o insufflador das antigás paixóes, dos antigos odios, do espirito das antigás lutas? E en- tretanto o Brazil é responsavel pelos lamen- taveis effeitos dessas causas, quando, para desvial-as opporlunamente, sao sabidos os seus esfor<;os! Mas o Brazil devia ter reerguido o po- der desse presidente? Para que? para que os desastres da República aínda fossem maiores ? Acha o autor do artigo que o Brazil se compraz em mostrar as manchas que escures- cein o horisonte dessa infeliz república, que tem um grande enpcnho cm descobrir as mi-— la- terías que a aflligem, em arrancar o manto dos hombros dos Orientaes para cruelmente apresental-os ás nacoes maríyrisados e nús ; e acha que ha nisso um uftrage, que os Orientaes devoram em silencio, mas nao sem o dienta esperanza contra o Imperio. Felizmente os Orientaes nao pensam como o autor do folheto que nao é Oriental; elles sabem que reconhecer e apontar os males que lhescausou a guerra civil e extrangeira que por táo longos annos soffreram, que lhescausou a fatal conjunctura em que se viraai arrojados pelos erros do presidente, nao é insultal-os, é justificar perante elles proprios, e perante o mundo, a intervenga© que se ia exercer em seus negocios internos para dar appoio e triumpho ao patriotismo illustrado, c ás ideias civilisadoras. Mas, prosegue o autor do folheto, porque deixou o governo do Brazil que as cousas chegassem a esse estado? Se nao queria pór-se do lado do presidente, por nao estar obrigado a ser parte principal em urna guerra injustificavel para restabelecel-o, por- que nao se collocou ao lado do governo pro- visorio ? 0 porque é facillimo de perceber: porque o governo brazileiro nao via nesse governo carácter suficiente de legalidade para ap- poial-o ; porque o nome de algum de seus- membros nao lhe offerecia garantia bas- — 73 — tante para que pudesse nelle fiar a espc- ranea da reorganisaeáo da república; por- que esse governo, na direccao que ia to- mando, mais parecia ceder ás inspiracóes desregradas das paixóes em luta do que aos dictames de moderarlo indispensaveis para acalmal-os; e emfim, porque o Brazil está resolvido e promplo para auxiliar as boas tendencias que se desenvolvam na República alliada, mas nao para impor-lhe cousa al- guma, nem ainda o maior beneficio. Cum- pria pois aguardar algum tempo: bem pouco tempo agunrdou : tres mezes ! Se mais sú- bito se houvesse pronunciado, nada o exi- iniria da pecha de precipitado, e em as- sumpto táo grave a precipitacáo revelaría pensamentos hostis á independencia e á so- beranía oriental, bem contrarios aos que aiiimam a política brazileira. Se nesse curtissitno prazo de tres mezes tantas desgranas succederam, a culpa é das paixóes irritaveis que urna política imprevi- dente, em vez de acalmar, tinha provocado; a culpa 6 desse presidente que, nunca tendo comprehendido sua missao, coróou a sua carreira desertando do poder, buscando com simulados receios asilo extrangeiro, e lar- cando de lá urna derradeira provocagao ás paixóes da guerra civil; a culpa é finalmente daquelles que para (iris oceultos, facéis po- rém de penetrar, subterráneamente fomenta- 7 it—- 74 — ram e promoviam a discordia e as reaecóes entre os Orientaes. «Neste estado de cousas que comprometió visivcl- mente a existencia nacional daquella república, poi- que aniquila todos os elementos da vida política, e até da vida social, o auxilio do Brazil, reclamado pri- meiramente pela presidencia do Sr. Giró, foi recla- mado depois pelo governo provisorio, e é invocado por todos os habitantes pacíficos sein dislinccao de partidos. Estas reclamacócs fundam-se no texto dos tracta- dos de 1851, e o governo do Hrazil lem etnpenhada a sua honra na execucao da política destes tractados. A sua honra c o scu iniercssc harmonisam-se feliz- mente nesle caso, nao ¡só com os sentimentos de hu- manídade, mas tambcni com os interesses de todas as nacfies que tem subditos c retaques de commereio na Re publica Oriental. O governo do Brazil portanto, a visla das graves considcraqó'os que se tem exposto, foi induzido a iu- tervir nos negocios do Estado Oriental. » Nesses periodos da circular [MÍO sao fados e principios, sao só palavras que excitam re- paros do analysta, entre esses o mais nota- vel 6 o que lhe merece a palavra—indu- zido.— Quem quer que esteja no seu bom senso, leudo o periodo entende que esta pa- lavra vale tanto quanto—determinado :— os factos, as circunstancias, queacabava de ex- pender, induziram-o, determinaram-o a in- tervir, diz na sua circular o governo brazi- leiro; é isso clarissimo, sem duvida ; mas nao 6 claro para o espirito argucioso c — 75 — obcecado de odios do autor do folheto! « Ah o governo do Brazil foi induzido! logo nao intervem por propria inspiracao : quem en- tao o induziu ? exclama elle, e entra a in- dagar por quem e para o que foi induzido. 0 governo do Brazil intervem induzido pelo governo provisorio, é a conelusao qu# nos seus arguciosos caslellos tira o autor do folheto. Deixariamos esse senhor recreiar-se nos seus subtis inventos, se infelizmente dessa intervencao do vocabulo — induzido — nao se utilisasse para considerar o Impe- rio convicto de grandes crimes contra a Re- publica Oriental. O imperio do Brazil intervem pois indu- zido pelo governo provisorio ; seria para sustental-o , para dirigil-o , ou para der- rubal-o ? Para sustental-o nao pode ser ; porque a circular aecusa evidentemente a sua admi- nistrarao. Para dirigil-o tambem nao pode ser; porque « um governo que se deixa dirigir por outro nao é governo, é um mise ra ve 1 instrumento de ambigúes bastardas. » Logo haría de ser para substituir-lhe « um poder menos zeloso desuas attribuicóes, mais con- descendente e mais dócil. » Em ambas essas hypotheses a intervencao é, pelo autor que as íigurou, declarada at-— 76 tentatoria da soberanía nacional ; « seria um abuso da forca ou o triumpho da intriga. » Certo é fácil argumentar assim , fanta- siando o que parece, e concluindo o que convém ; felizmente a circular antecipada- mente respondeu a todas essas accusacóes odientas, a todas essas sophísticacóes das palavras mais simplices, a todos esses prin- cipios de ex.igeracao inadmissivel; dice ella qual o fim da intervengo, qual o modo por- que se procuraría conseguir esse fim. Ao depois a intervencáo se fez, e de todas as hypotbeses imaginadas pelo argucioso escriptor nem-uma se realisou ; a interven- cao respondeu por si mesma ; dice ella que ia dar um apoio regular ao governo de facto , que depois se tornou tambem de direito, contra as faecóes que perlurbassem a ordem, que ia desanimar os ambiciosos privando-os da esperanca, ern quanto urna política discretamente moderada os fosse acalmando e fazendo entrar ñas raias que os devem conter : as leis c a constituíalo. Quereria o autor do folheto, pois é esse o sen conselho que transcreve nao sabemos de que autores, que o Brazil limitasse a sua intorvencáo a pregar para convencer , a scmeinr hoje para collur amanhaa. Igno- ramos como bavia o Brazil de proceder nessa prc-dica, nessa semenleira e nessa colheila, o que sabemos é que, do modo por que — 77 — procedeu, conseguíu, a bem da RepuBliea Oriental, os resultados que tinha em vista : os receios da guerra civil cessaram, a con- fianza se restabelesceu, os espiritos foram-so acalmando;e a ordem que renascc, tanto mostra dever consolidar-se, que os inimigos da república já buscani novas tracas para complicar a situacáo ; um delles, o mais argucioso, toma a penna, e escreve o folbeto com que nos oceupamos, brandao acceso lancado ás cinzas do incendio ainda na ves- pera extincto. Prosegue a circular: « O governo do Brazil r.otifia que nao terá de em - preñar assuas forqas senao á requisito do governo do Estado Oriental : mas em qualqncr caso que o faca, o sen lim nao será oulro seníio — assegurar a existen- cia do mesmo lisiado, — o exercicio ilosdireiíos de todos os seus habitantes,— a paz c o soeego pu!>lic t, c o cstabclecimento de um governo regular c duravel, dando assim exeeucao á poli.ica consignada no trac- tado de allianca de 12 de outubro de 1851. O governo imperial eré que esta intervenrao, cujo.s títulos se enconlram na convencao de 27 de agosto de 1828, nos tractados de 12 de outubro de 1851, e nos essenciaes interesses do imperio, prejudicados pela agitacáo permanente das suas fronteiras do sul, e por entras causas, será recebida pelos governos das nacóes amigas como um acontecimento feliz para humanidade, affligida por tao prolongadas guerras rivis, c para o commercio e a emigracáo, tao directa e continuadamente contrariados por aquelle Ragetto. O governo do Urazil nao quer para si, quaesquer— 78 — que sejam as circunistancias, ncm-um predominio illcgilimo no Estado Oriental, e deixará ao mesmo Estado na posi ao que Míe assignalam a convenció de 5828 e os trac lados de 1851. O governo do Brazil limitar-se-4 portanto a resta- belescer e consolidar a paz, e a sollicitar, garantir e auxiliar o estabclescimento de urna ordem e de um governo regular e duravel, que de garantías a todos os habitantes, e bases para que possam descnvol- ver-se os elementos de prosperidade que o payz en- cerra, adquirindo assitn condicoes de solida e com- pleta independencia. O governo do Brazil nao aspira a nem-um aug- mento territorial, c considera e declara solemne- mente como limites definitivos entre o Imperio e o Estado Oriental os que se acham fíxados no tractado de 12 de oulubro de 1851. Ultimamente o governo do Brazil, tendo sómente por objeclo, na política que se tem prescripto , .salvar o Estado Oriental e fortalecer e firmar a sua independencia, nao recusará o concurso de qualquer potencia que com elle queira cnlender-sc sobre os meios de se conseguirem os indicados fins. O abaíxo assignado espera que o Sr... transmittirá psla communicacao ao sen governo como um teste- munhoda considerado e deferencia do governo im- perial, e aproveita-se da occasiao para reiterar ao Sr... as expressoes de sua estima e considerarlo. » A confianza do governo do Brazil nao foi illudida ; obrou elle de accordo e á requisi- to do governo de facto que achou na Repú- blica Oriental. Como porém havia na circu- lar figurado a hypolhese em que lhe faltas- — 79 — sem osse apoio e essa harmonía, e todavía declarara que estava resolvido a intervir, disso toma thema o autor do folheto para invocar os grandes principios da soberanía, e mostrar o pouco apreso em que pelo Brazil sao tidos. Poderiamos omittir quahpier resposta a esse respeito ; pois felizmente nao é essa a hypothese em que se está realisando a inter- vencáo. Todavía perguntnremos ao autor, —que aínda ha pouco vimos praguejar contra o governo do Brazil, porque, nüo querendo apoiar ao presidente legal, nao havia logo apoiado o governo provisorio, chegando a ponto de fazel-o responsavel pelas desgranas que soffreu a república nos tres mezes, em que deliberou sobre a nova ordem de cousas, e sobre a intervenciio,—que embaraco have- ria, se, nao podendo obrar de accordo com esse governo provisorio, por nao achnl-o ñas ideias de moderaciio, no espirito da política dos tractados, procedesse o Brazil de accordo com qualquer outro governo provisorio que melhor comprehendesse os seus deveres para com a patria, e que assitn fosse fiel re- presentante della, della que tem sede de ordem, de civilisarao e de progresso, e que nao a vé senáo em um régimen de modera- rlo que concibe todos os ánimos ? Deveria o governo do Brazil retírar-se diante da má vontade que encontrasse, dei-— So- lando o payz entregue ás paixóes que nom se qiicr estavam em treguas ? Se já o incre- l>aes pelo que soíFreu esse payz em tres mezes, como nilo o increparieis, e des^a vez rom razio, pelos males centuplicados que ao depois necessariamente o teriam fla- gellado ? Séde lógico ao menos... mas como pedi- mos ao odio que seja lógico ! Os fundamentos que dá o Brazil ao seu direito de intervir,— a convenció de 1848, os tractados de 1851, os essenciaes interesses do Imperio prejudicados pela agitaráo per- manente das suas fronteiras do sul e por outras causas,—exercitaram a bilis do autor do folheto ; 6 especialmente contra us outras rausus que scu furor sobe de ponto. Como, brada elle, pois o Brazil tem de justificar um acto de tanta importancia, como urna inler- vencáo para mudar a face política de um listado independente, e acha que essas cau- sas devem ficar como um enigma sybillino, subjeito a inlerpretacóes arbitrarias ? que outras causas sao essas?... Ora, pelo amor de Deus, onde deixou o autor do folheto a sua agudeza ? Como náo entendeu o que leu ? Como nao deu ao que lia um poucachinho de attengao? Se o hou- vesse feito, teria poupado a si o trabalho do escrever esses periodos cheios de irritacao, c a nós mais urna occasiáo de vór o que poder — 81 — a lencáo feita de criticar, de condemnar, de achar em tudo motivo de declamaráo. Se o houvosse feito, teria visto que na plirase da circula ras pala vras—por outras causas—refo- rem-se aos interesses do Imperio prejudica- dos—e náo aos fundamentos que lornam le- galissima.eem tudo conforme ao direito das gentes, a intervencáo. Quantoa esta, baslava ser fiiha dos tractados ñas suas litleraes dis- posicóes, e dos interesses da paz do Imperio para estar de sobejo justificada. Os protestos que faz o governo do Brazil da pureza dos fins que o impellem, esses protestos táo nobres, de que dá por garante a oonfianca com quedeclara estar prompto para acceitar a cooperacáo de qualquer Estado ou Nacáo, tudo isto que deveria fazer emmu- descer o odio, é pelo autor do folheto rece- bidocom simulada incredulidade. Mostra elle pois que nem sempre as grandes potencias tem respeitado os seus protestos; e de facto ha disso exemplos na historia. Mas o que temos nós com a sinceridade com que foram ou a deslealdade com que deixarara de ser respeitados os protestos de outras potencias? 0 Brazil cumpre os seus, e nao tem vistas ambiciosas que dissimule ; recentemente o provou no Bio da Prata, depois da victoria de Caseros, e sempre o prorará. O que temos com o que se fez em 1817 em Mon- tevideu ? Já explicámos que parle podía- 82 — caber-nos na política exterior portugueza. Respondemos pelos nossos actos, e em 1851 provámosa sinceridade de nossas palavras : agora e sempro a provaremos. Posteriormente á publicado da circular e á intervencáo brazileíra, abriu-se o parla- mento, ena tribuna do senado, na sessáo de 8 de junho o Sr. ministro de extrangeiros, na de 10 do mesmo mez o Sr. presidente do conselho deram as mais cabaes e satisfac- torias explicacóes. Por ellas ficou claro que a entrada das nossas forjas no Estado Orien- tal, reclamada pelo governo da República, nao equivalía a urna occupaeáo militar; que cessaria logo que a prudencia do governo imperial reconbecesse cumprida a sua mis- sao, ou reclamasse a sua retirada o governo a cujo pedido tinha-se ella realisado. Esses discursos deram, da pureza das intencoes do gabinete imperial, táo elevado testeniunbo, que, para abalar a confianra que inspi- rara, bem pouco podem valer as fingidas desconfianzas do autor do folheto. Emfim, esse mesmo convite dirigido ás potencias que quizessem concorrer cora elle para salvar da anarcliia o Estado Oriental, esse convite que nao era mais do que a prova completissima de que nao tinha se- gundas tencóes, esse convite é tambero con- siderado pelo autor do folheto como urn attentado do Rrazil ; pois faz do direito de — 83 — inlervir, que nao pode nascer senáo do* tractados, um direito commum a todas as nacóes, de que podem usar ou deixar de usar a seu arbitrio, quando a intervencao, a nao derivar-se d<< tractados, seria um atten- tado á soberanía nacional. Nao tra clare ni os de sustentar ou de con- testar o direito absoluto da intervencao, 6 isso alheio ao nosso proposito: basta-nos reconbecer que esse direito algumas nacóes o admittem, e delle usam amplamente ; basta-nos reconbecer que ha potencias que se julgam com direito a serem zeladoras da independencia oriental, a ponto dejá have- rem intervindo em suas guerras ; basta pois que estas existam, para que o Brazil as in- vocasse como testemunbas de que a sua in- tervencao em nada offenderia os direitos soberanos daquella República. Em vistas que nao é difficil descortinar, pergunta o autor do folheto por que o governo do Brazil náo procurou entender-se com o da República Argentina? Está porém em perfeito engaño; o governo do Brazil, procedendo nesse nego- cio com a rnaior lisura, náo podia excluir nem excluiu a República Argentina, e até mesmo já tcve, como era de prever, resposla á sua circular. Se por ahi espera o autor do folheto mover novas < nmplicacóes que per- turbem a paz de que felizmente vae gosando a República Oriental, julgimos poder affir-— 84 — mar-lho que so prepara novas decepróes; procure de outro lado. Entretanto transcrevamos um periodo re- velador do pensamento político do autor do folhelo: « Ainda nao vimos apparecer a Con fede- rando Argentina neste drama ein que se está jogando a nacionalidade oriental, e em que perigam, quando menos, a sua integridade e sua soberanía. As guerras em que se tem visto involta aquella República, seus traba- llios do organisacao e de repararáo nao lhc háo consentido vigiar de perto ñas actuaos diíliculdades doste payz, nos seus interessos e dircilos. Oraras á sua ausencia, o Brazil nao tem tomado em conta a parte que lhe toca ñas queslóes que presentemente agita. —Confiamos todavía que breve fará ouvir a sua voz para reclamar a parte de conside- racáo, de influencia e de responsabilidade que corresponden! á sabedoria e á dignidade de sua política. A isso a levam obrigaoóes mais altas e immutavois do que os tractados, porque se fundam na natureza de urna commum origem, de iguaes instituicoes, dos mesmos triumpbos o de iguaes sacrifi- cios. » Nao commentaretnos csse trecho em que a Confederacáo Argentina é apresentada como urna esperanca ás ambicóes e ás paixóes dos partidos, e em que, ainda sangrenta das — 85 — guerras que tem soffrido, no meio dos dif- ficillimos trabalhos de sua organisacao, é ella invocada a tudo de novo sacrificar para nao consentir que se organise em paz a Re- publica sua irmá, sua visinha. Confiamos porém na sabedoria dos que regem os destinos desses povos, dos que nelles influeni ; confiamos no Deus da Ame- rica que melhor os inspirará do que deseja o autor do folheto: nao, a historia desses poros nao se revolverá eternamente em um circulo de ferro e de sangue, que o patriotismo nunca poderá quebrar. Admiremos entretantoessesupposto Orien- tal, que no seu folheto táo inimigo se mos- tra de extrangeiros, de influencia extrangeira, como compláceme invoca a esperanca de um apoio extrangeiro? Como, tao zelador dos direitos soberanos da sua patria, con- cede generoso a urna nacáo extrangeira so- bre a sorte e os destinos della um direito mais forte do que o dos tractados, o direito dessa singularissima irmandade por elle in- vocada ! Nao dir-se-ia que estamos nos tempos de Rosas, e que vogam as suas idéas acerca do \icc-reinado de Buenos-Ayres? Termina o autor do folheto com mais urna pagina de deelamacáo, em que o nao acom- panharemos; pois nella nada vemos de novo,-, nem no pensamento, nem na forma; e com— 86 — protestos de que nada teria dicto contra a entrada de urn exerdto brazileiro, se tivcsse esta sido feita conforme os tractados, e do «{iie combatendo a circular, nao tem a ideia bastarda de menosprezo ao Imperio, cuja prosperidade inveja, cujo progresso intellec- lual e industrial 6 sem duvida um poderoso estimulo para os Estados conterráneos. » Já mostramos o valor daquelle primeiro protesto; a intervenrao armada foi feita con- forme a leltra e o espirito dos tractados, o que nao obstou que o táo sincero autor do folheto escrevesse contra ella quanto Ihe pas- sou pela imaginacao escaldada pelo odio. Pelo que diz respeito aos seus sentimentos para com o Imperio, iwllior seria que, se sao sinceros, procurasse facer com que as naróes conterráneas,—em cuja linguagem escreve, e de quem pois rnelbor póde ser ouvido,—es- tudassem o modo por que caminhou esse Imperio ñas vias de progresso e de prospe- ridade em que se aclia, e de que cada vez mais se desviam os povos que bebem as doutrinas, que conservam os sentimentns a que faz elle nppello, e que com tanto esfor- ro procura propagar. 0 progresso, a prosperidade estilo na paz e na ordem, ahi e so ahí. Fóra dabi ter-se-á a continuacáo des de- rjastrespassados : a desgrana BO presento e no por v ir... — 87 — Dcus porem o nao consentirá. 0 nobre e generoso povo oriental tem mostrado com sublime beroismo que é digno da prosperi- dade : sua patria, rica e bella, tem glorioso porvir que, para se realisar, súmente espera a aecáo civilisadora do trabalho e da industria, E porque um ou outro discolo, arrebatado por paixóes que nao póde domar, invoca as Eumenides das faecóes, bavemos de receiar que seus brados perturben! as inspirarles do born senso e do patriotismo?DOCUMENTOS NOTA DO GOVERNO ORIENTAL DO URUGUAT Á LEGA- CAO IMPERIAL DO BRAZIL EM MONTEVIDEU. Ministerio das relaces exteriores.—Montevideu, 17 de julho de 1853. O abaixo assignado, ministro das relacoes exterio- res, tem o desgosto de participar ao Sr. ministro re- sidente de S. M. o Imperador do Brazil, Dr. José Maria da Silva Paranhos, que o governo da República v€-sc na necessidade de pedir o auxilio das Coreas da Inglaterra e Franca para evitar as desordens, que ameacam esta capital, e de fazer presente ao mesmo tempo ao Sr. ministro, que é chegado o caso previsto nos arts. 6." e 7." do tractado de allianca de 12 de outubro de 1851. A política de justica, de conciliacáo, e de modera- cao constantemente seguida por S. Ex. o Sr. presi- dente nao obteve infundir em todos aquelles senti- mentos de paz e de subordinarlo de que tanto pre- cisa o payz para consolidar a ordem constitucional, e proseguir tranquillo e sem entraves no caminbo de reparacáo e progretso aberto com a cessacao da guerra civil. Symptomas summamentc atterradores se estáo ía-— 90 — zcndo sentir ha alguns dias a esta parte, que annun- ciam urna revolucao próxima a arrebcntar, e cujo objecto nao pode ser outro senáo derribar o governo constitucional da República, ou sugeital-o a condicóes fjue annullariam completamente sua autoridade. Kmbora seja limitado o numero dos que se prés- talo a cssa obra de iniquidade, e nao obstante os nieios de que pode dispor o governo para sufTocar qualquer movimento desse genero, jnlga todavía S. Ex. o Sr. presidente, que importa muito, para bem de todos, que nao se de lugar a que a ordem publica seja o mais levemente perturbada, tomando para esse iim urna posieao que desvie, de seu máu desig- nio aos revoltosos, corte as azas & sua tcmeridade, c resiabclcca com isso a confíanca e a seguranza na populacáo. Com este finí e° que o abaixo assignado se dirige ueste momento aos agentes e commandantes navaes tía Franca e Inglaterra, pedindo o desembarque da torca armada, que icnham á sua disposicáo; e com o niesmo lim. e para que o governo constitucional da República se ponha a coberto de todo o transtorno teve ordem o abaixo assignado de S. Ex. o Sr. pre- sidente, para sollicitar ao Sr. ministro residente de S. Ht Imperial que faca effectivo, na parte que lbe compete, o apoio estipulado no tractado de allianca, que ácima se menciona. O abaixo assignado approveita com este motivo a opporimiidade para oll'erecer a S. Ex. o Sr. Dr. Pa- ranhos as expressoes da sua mais alta e distincta con- sideraiao e apreco. Bernardo P. Berro. lllm. e Exm. Sr. Dr. José María da Silva Para- nlios, ministro residente de S. M. o imperador do Urazil, ele. — 91 — MOTA DA LEGAOAO IMPERIAL DO BRAZ1L EM MONTE— TIDEi; AO GOVERNO DA REPUBLICA ORIENTAL DO URUGUAY. Legacáo Imperial do Brazil em Montcvideu, 21 de jullio de 1853. O abaixo assignado, ministro residente de S. M. o Imperador do Brazil, e em missao especial junto da República Oriental do Uruguay, tem a honra de ac- ensar a recepcao da nota que S. Ex. o Sr. I). Ber- nardo P. Berro, ministro e secretario de estado das relacóes exteriores, lhe tlii igiu em dala de 17 do cor- rente a urna hora avancada da noite. S. Ex. o Sr. ministro diz na supra-mencionada nota que o governo da República se vira na necessi- dade de pedir o auxilio das Coreas inglezas e france- zas para evitar as desordens que ameacavam esta capital, c de ao mesmo tempo fazer presente ao abai- xo assignado que era chegado o caso previsto nos arts. 6." e 7." do tractado de allianca de 12 de outu- bro de 1851. Mais adiante, depois de explicar a presumpeao que adquirirá o governo da República de que sua autori- dade e a paz publica estavam ameacadas, S. Ex. o Sr. ministro exprime nos seguintes termos as disposicoes em que se achava o seu governo, e o lim que linha em vista com o auxilio que requisitára aos agentes francez e inglez, e ao abaixo assignado. Por mais reduzido que seja, dice S. Ex., o nu- mero dos que se prestem a essa obra de iniquidade, e nao obstante os meios de que pode dispor o gover-— 92 — no para vencer qualquer movinienlo desse genero, todavía eré S. Ex. o Sr. presidente que importa milito, para bem de todos, que nao se dé lugar a que a or- dem publica seja perturbada nem levemente, to- mando para esse fim urna atlitude que retraía de scu ináu designio aos revoltosos, corte as azas á temeri- dade c restabelcca com isso a con flanea c a seguri- dade na populacáo. « E' com este objecto », accresrenta S. Ex., « que « o abaixo assignado se dirige ueste momento aos « agentes e commandantes navaes da Franca c In- « glaterra, pedindo o desembarque da forca armada « que tenham á sua disposicáo ; c com o mesmo ob- « jecto, e a fim de que o governo constitucional da « Republica se ponba a coberto de todo o transtorno, « o abaixo assignado tcm encargo de pedir, por or- « dem de S. Ex. o Sr. presidente, ao Sr. ministro « residente de S. M. Imperial, que faca eíTeclívo, na « parte que lhe pussa corresponder, o apoio estipu- « lado no tractado de allianca que mais ácima se « menciona. » O abaixo assignado lamenta profundamente que mais urna vez a paz da Republica se veja ameacada, e que todos os esforcos pelo mesmo abaixo assignado empregados officiosamente, desde que comecaram a apparecer os symptomas que mostraram ao governo oriental a eminencia de urna revohiQáo, nao pudes- sem evitar o triste successo do dia 18 do corrente.. Esses esforcos cram e foram o auxilio efficaz que o abaixo assignado devia prestar a S. Ex. o Sr. presi- dente da Republica, a fim de que sua autoridade nao fosse atacada e a ordem publica nao soffresse o me- nor abalo. Nem sempre é possivel, e nem sempre convéuv — 93 — evitar ou reprimir por meio da intimidariio ou da torca armada um movimento. O abaixo assignado entendeu, desde o principio da crise, que a intimida- cao era incfflcaz, e podía ter o effeito de urna pro- vocacáo: que o governo, aínda tendo á sua disposicáo todas as torcas navaes existentes no porto de Monte- videu, nao podía suIFocar a revolurao que parecía eminente, que em todo o caso couvinba evitar sem eflusao de sangue a tentativa de urna nova revolucáo, em payz onde ainda bontem cessou, do modo que >; sabido, urna guerra civil que durara mais de nove annos. Com esta conviecáo, c tendo percebido, primeiro que o governo da Republica, a existencia do perigo, o abaixo assignado, nao obstante as justas c graves queixas que tem relativamente aos tractados de 12 de outubro, náoduvidou fazer officiosamente quanto lbe era possivel, a fim de que o mal eminente fosse combatido sem abalo da ordem publica, e sobretudo sem derramamento de sangue. Se seus esforcos nao foram bem succedidos, o abaixo assignado acredita que contribuiram para que S. Ex. o Sr. presidente da Republica pudesse por um meio pacifico, e digno de sua alta missao, conjurar a tempestade que ameaca a Republica do i eapparecimento da guerra civil. S. Ex. o Sr. presidente da República, e S. Ex. o Sr. ministro sabem perfeitamente ojuizo do abaixo assignado sobre o estado de cousas que.produziu os desgranados successos do dia 18, e as diligencias que liavia posto no intuito de evitar as suas possiveis c graves consequencias. O abaixo assignado fallou e proceden em todas essas circumstancias com a fran- queza que lhe cabia, e da qual tem dado e dará sem-— 9i — pre provas ao govcnio da República, em f|iianlo l¡- ver a honra de servir junto dclle a S. M. o Imperador Jo lírazil. O siicccsso do dia 18 deve ter sido niuiio sen ivcl ao coráceo de 8. Ex. o Sr. presidente, como ao de todos os Orientaes, e amigos da ordem e da Rcpnbü- ca; mas resulta desse succcsso, triste e lamentavel como e", urna considcracao que deve ser grata, e consolar o desgosto de S. Ex. Esta considerarlo vetn a ser o que todos reconhecem eapplaudem, que a pcssoa e a autoridade de S. Ex. foram acatadas, e que o senlimento de paz e de ordcm constitucional predoininou em todos os ánimos, desarmando sem violencia a revolucao que um incidente casual havia comeqado ou precipitado. O abaixo assignado tem consciencia de que prcstou ao governo e á ordem constitucional da República todo o servico que estava ao seu alcance, c devia prestar; fotgará muito se, como eré, S. Ex. o Sr. presidente da República assim o houver apreciado. A forga armada esteve prompta para obrar de con- certó com as das oulras estaques navaes extrangeiras, e no mesmo sentido de defender a seguianca pu- blica e as pessoas e propriedades dos membrus, único servico que podia prestar em taes circumstancias. O abaixo assignado faz ardentes vetos para que S. Ex. o Sr. presidente da República consiga a reali- saeao de seus patrióticos despjos, reunindo em torno de si, e para o bem gcral a todos os cidadaos prestan- tes, mediante a política de olvido do passado, de con- ciliacao e de justica, e prcvalecendo-se o abaixo assignado deste novo ensejo para a manifostacao que acaba de fazer, cumpre-lbe igualmente re- novar a S. Ex. o Sr. D. Bernardo !'. Berro as ex- — 95 — prendes dos sentimentos da sua mais distincta con- sidcracao. José María da Silva Paran/ios. DIm. e Exm. Sr. L). Bernardo P. Berro, ministro e secretario de estado das rclacoes exteriores da Repú- blica Oriental do Uruguay. NOTA DO GOVERNO ORIENTAL DO URUGUAY Á LE- GACAO IMPERIAL DO BRAZIL EM MO.NTEVIDEU. .Ministerio das relacoes exteriores.— Montevideo, 21 de septembro de 1853, ás 8 da horas da noite. O abaixo assignado, ministro das relacoes exterio- res, tem a honra de dirigir-se ao Sr. ministro resi- dente de S. M. o lm p rador do Brazil, para partie.i- par-lhe, de ordem de S. Ex. o Sr. presidente da República, que a capital se acha, au que parece, amearada de urna commocao, que pode vir arom- panhada de graves desordens, sem que ao go verno seja possivel impcdil-a, pela falta absouta de forcas á sua disposicSo. Ncsta situacao, nao pfkle o governo responder pela seguranza, nem das pessoas nem ¡. José Harta da Silva Paran]ios. — 99 — SOTA 1)0 PRESIDEME DA REPUBLICA ORIENTAL DO URUCUAY X LEGACAO IMPERIAL 1)0 Bit AZI L EM MOXTLYIDEU. Montevideo, 25 de septembro de 1853. Sr. ministro.—O coronel Elotes, acaba como V. Ex." já ttbcrS, de rebellar-se contra o meu carácter legal, íazendo saber aos mimsiros c agentes exlran- geiros que deixei de ser presidente da República, por liavcr-me asilado no domicilio do Sr. representante da Franca. Este novo e inesperado successo pCe-mc mais ou- tra vez no caso de exigir de V. Ex. a eflicaz prolec- cáo a que está o Imperio do Urazil obrigado pelo tractado de 1851. Em oiitra occasiao contestou V. Ex. á mesma sol- licitacao da parte do meu governo, dizendo que nao contava com os meios sufiieientes para fazer cffectiva aquella protecQáo; porém se V. Ex. tivesse a boa vontade de prestal-a, creio que nao lhe faltariam aquclles meios, se os sollicitassc dos agentes das de- mais potencias extrangeiias, que os lem nesle porto. Son de V. Ex., Sr. ministro, com a mjior consi- deracao, áltenlo servidor Joao Francisco Giró. Exm. Sr. Dr. José Hartada Silva Paranbos, niinis- 1ro plencpctenciario de S. M. o Imperador do Braz'L— 100 — NOTA DA LEGACAO IMPERIAL DO BRAZII. EM MON- TEVIDEU AO PRESIDENTE DA REPUBLICA ORIENTAL DO URUGUAY. ti.' U.—Legarlo imperial do Rrazil cm Montevideti, 25 de septeinbro de 1853. lllm. c Exm. Sr.— Neste momento, seis llorase nieia da tarde, acabo de receber a cominunicacao que V. Ex. me faz a honra de dirigir uesla mesma dala. Messa communicacao diz V. Ex. o seguinte : « Que o Sr. coronel Flores acaba de rebellar-se contra o carácter legal de V. Ex., fazendo saber aos ministros e agentes exlrangeiros que V. Ex.,deixou de ser presidente da República, por haver-se asilado no domicilio do Sr. representante da Franca. ■ « Que este novo e inesperado successo póe mais unía vez a V. Ex. no caso de exigir a eflicaz prolee- cao a que está o Imperio do lirazil obrigado pelo tractado de 1851. » « Que anteriormente respondí á mesma sollicila- cao, da parle do governo de V. Ex., que eu nao con- tava com os muios suüícientes para (azer eíTcctiva aquella prolecoáo. Que, porém, se cu livesse a boa vontade de prestal-a, V. Ex. ere que nao me falta- riam aquelles meios, se os sollicitasse aos agentes das demais potencias extrangeiras que os tem neste porto. » Ha cerca de dous annos que tenlio a honra de ser- vir em Monlcvidcu a S. M. o Imperador do lirazil, meu augusto soberano, lia mais de um auno que excito a honrosa inissao, para que o niesmo augusto — 101 — Senlior se dignou acreditar-me com o carácter de seu ministro residente. Em todo esse temp i hei trabalhadi com o mais respeitoso zelo, a mala escropulosa boa fé e a mais fervorosa dedicaqio em sustentar, promover as boas reláceos e os inleresses communs das duas nacoes, e em concorrer, tanto quanlo eslava ao meu alcance, para a concordia dos ürienlaes, e para a manutencao de sua ordem constitucional, em que as armas c a generosa allianca do Imperio liveram a parte que sabe a República c que sabem as demais potencias. Durante a minha Irnbalhosa e diflicil míssáo por mais de urna crise tem passado o governo de V. Ex. A primeira teve logar em juiiho do anno próximo passado; asegunda por occasiao da retirada do mi- nisterio doSr. coronel O. Venancio Flores; a terceira em julho do corrente anno ; a quarta é esla que, se- gundo a communicacao de V. Ex., comeca alero mais triste desenlace. Em todas as crises que precedéram á actual, ru fui niuilo além do meu siricto «lever, prestando ofli- riosamente, ou por meras sollicitacoes verbaes do ministro das relacóes exleriores, os activos, pruden- tes e amigareis esforcos para evitar algum abalo ou transióme na paz e ordem constitucional da Re- publica. O publico imparcial e sensato de ¡Montevideo me testemunlia, e me faz a juslica de confessar (tenho razóos para crel-o) di que assim procedí; e elle e minhn conscíencia e o msu governo me di¿em que meus esforcos foram acertados e felizes. O governo de V. Ex. tambem fez sempre juslica ao meu carácter e aos meus esforcos cm todas as— 102 — emergencias que o sobresaltaran! antes do successo de 18 de julho ultimo. Digne-se V. Ex. recordar-se do que ein sen nome me foi dicto pelo Sr. ex-minislro D. Florentino Cas- tellanos, em nota de 9 de junlio do anno ultimo, re- lativa ao auxilio soliieilado ao ministro brazileiro pur oecasiáo da primeira das crises que ácima moncio- nei. Digne-se V. Kx. recordar-se do que esse mesmo prudente e justo ministróse serviu manifestar a meu respeilo cm sua memoria ás cámaras legislativas da liepublica. O successo de 18 de julho se houvcra evitado, se V. Ex. houvesse querido prestar otividos aos conse- 1 líos leacs e amiga veis do ministro hrazileiro. O suc- cesso de 18 de julho tcve o desenlace que a popula- cao imparcial e sensata de Montevideo, applaudiu, mediante os bons ofiicíos do ministro brazileiro. Sao fados muito notorios, equederam motivo a manifestacoes individuaes de ambos os partidos em que infelizmente se acba dividida a liepublica ; ma- nifestacoes que sao para mim urna muito apreciavel recompensa dos meus bons desojos e esforcos. Acrise,porque actualmente est5 passandoa P.epu- blica, o ministro brazileiro procurou cvital-a quanto cabla em sen carácter official, quanto eslava ao al- cance de sua influencia pessoal. Sen zelo no ctimpri- mento de sens deveres, sen legitimo, bem demos- trado c niio suspeilo interesse pela paz e prosperi- dade da República, desta vez como das outras, niio Ihc permittiram limilar-se aos actos ofliciaos de sua missSo. Os Srs. D. Manuel Herrera y Obes, coronel D. Ve- nancio Mores e D. Iiernardo I'. Herróe varios outras pessoas respeitaveis, nacionacs c extrangeiras desta — 103 — cidade sabem que, assim como sollicilava do governo o que dependía de. sua acrao, sabrdoria e patrio- tismo, en procurava conciliar os Orientaos de um e outro lado político, calmar e dissipar a cxaliacáo c desconfianca que se manifostava pela imprensa. O ministro brazileiro foi sempre em suas relacoes officiacsc particulares um orgam econselheiro inecs- .santc da política de conciliacau, de olvido do pas- sado, de moderacao c de justica, que se acha estipu- lada no traclado de 12 de outtibro de 1851, como pro va da benevolencia e amizade do governo impe- rial, c como urna das bases oti garantías da allianra que contrahiu com a liepublica, Dessa verdade pildora ou citar militas outras pro- vas e tesicmunlios, se fosse possivel que alguem a puzesse boje em duvida. O governo oriental quiz por cobro íi diseussao ir- ritante e porigosa cm que últimamente so lancara a imprensa. Accordou o decreto que foi promulgado restringíndo a libordade da imprensa no tocante aos factos cujo olvido foi estipulado e recommendatto pe lo pacto nacional de outubro de 1851 o polo tostado de allianra com o Imperio. Sollicílou para este finí, islo é, para evitar algum conflicto a que pudesse dar lo- gar esse decreto, o apoio moral do ministro brazi- leiro. E esse apoio nao foi recusado, assegurando-sc ao ministro brazileiro que scriam simultaneas e effectívas as medidas de, que o governo oriental jul- pou que devia acompanhar aquella outra. Essas medidas eiam a retirada do general Oribe para fóra do Uio da Prata, a suspensío do chefe po- lítico do Salto, contra o qual reclamara a logacao fiance/.aj e alguns jornacs desta cidade, o a appio\a- cao effectiva dos actos que o Sr. coronel 1). Venan-— íOk — do Flores, romo ministro di guerra, ecmcommis- sao do govcrno, praticára na campanlia. A saínela do genera! Oribe tornou-se duvidosa, nao se publico» a suspensa»» do chefe polilico (fe Sal- to, nao appareceram exprcssamenlc confirmados os aelos do Sr. ministro da guerra, e lodavia foi pu- blicado o decreto sobre a imprensa, e o ministro bra- zileiro contribuid prudentemente, quanto eslava ao sen alcance, para que se núo verificasse como se nío verificou, o conflicto que preoecupou ao govemo. Yciu a renuncia do Sr. coronel D. Ven mcio Flo- res, c V. Ex. sabe que cu fiz todos os esforcos pos- siveis para evital-a e para que ella lossc retirada, do mesmo modo que dias rales hivia cm pregado toda a influencia da csiima com qu*> me bonra o Sr. D. Manoel Herrera y Obes para dnnovél-o de igual pro- posito, que, como o do Sr. I'l6res, amcacava tuna dissolucao de govemo. Ante-lionlem, 23 do corrente, pelas duas horas da tarde fui convidado pelo Sr. D. bernardo l*. Berro para comparecer cm urna conferencia de mi- nistros que aquella hora leria logar em sua casa. Im- mediatamente comparecí. Estavam presentes o dicto senhor, e os mais ministros, os Srs. llenera y Obes e Flores. Ful interpelado sobre o auxilio q;ic poderia pres- tar ao govcrno da República para dominar a situacio que era ameacadora. ilcspondi que, se o governo da República pretendía do ministro do Brazil auxilio material, o ministro brazileiro ainda esquecendo, como esquecía, cm taes circumstancias as suas re- clamacOes c protesto pendentes, nao tin'.ia senaoque repetir o que dice cm a nota que nessa mesma manha dirigirá ao Sr. ministro das relagóes exteriores. \ — 105 — Que porcni, se o governo da República quería o concurso moral e amigavel do ministerio brazileiro, •ta de chegar a um desenlace pacifico da crise cm que se achava, eu eslava prompto, e oíferecia este concurso. •Jue, cm íncu fraco, conciliador c desinlercssado parecer, ¡ligninas concessoes de S. Ex. o Sr. presi- dente da República poderíam evitar o mal que lodos viam eminente c se desejava ewlar. Eu bavia ouvido ao Sr. minisiro Reno e a V. Ex., na visita que Uve a honra de fazer-lhe em a noile de 22 do corrente, que por meio de concessoes nada se conseguiría, porque após urnas se pretenderiam outras. Para prevenir esle justo receio eu ofJfereci ficar como garante do governo oriental, contra novas preiencóes do partido descontente, e as influencias deste partido, sobre o cumpl imento do que V. Ex. qu¡zc^se conceder-lhe, e sobre a marcha ulterior do governo, conforme a política cstipidada nos pactos de oulubro de 1851. A garantía do llrazil que eu assim oíTerecia, e que contrahiria ipso fado da parle que nessa solucao tives- se, era uestes momentos de um apoio moral, mas as circumstancias davam-lhe urna forca assaz eflicaz. E eu accrescentei que, se o governo da llepublica qui- zesse urna garantía material e permanente, poderia obtel-a,sollie¡lando-a em'tempo ao governo Imperial. Que mais poderia o ministro brazileiro prometter e fazer? l'romelteu mais do que devia, fez talvez mais do que devia, porque como declarou na supra- cítada conferencia, nao tem e nem podia ter ¡nslruc- cocs tao casuislicas que previesen todas as circums- tancias da situacao actual da República, todas as va-— 100 — riadas phases. porque ten passado as relacóes entre 0 Imperio c a República, a despeito dos pactos de 12 de outuhro (pie as assentaram sobre bases muito claras e positivas. En a noitc do mesnio dia 23 do córreme foi-me declarado pelos Sis. ministros Herrera y Obes e Floiestpie V. Ex. acceilava a coopcraejio que affere- ci, e portanto o raen amigavel e desinteressado pare- cer, c rae aulorisava para assegurar ao Sr. general Pactieco y Obes, e aos seus correligionarios políticos, que V. Ex. eslava dispo.slo a nanear douschefes po- líticos cscolhidos d'eiitrc as pessoas aptas para est.e cargo no partido outr'ora denominado colorado. Como resultado ¡inmediato dessas duas concessms exigía V. Ex. : Que o .Sr. general Pacheco y Obes se retirasse do paya, nao duvidando conferir-llie nina missao diplo- mática. Que a imprenta política olvidasse completa a lealmenle o passado, e evitasse polémicas irritantes. Na mesma occasiao fui informado de que, depois da conferencia de ministros, a que tive a boma de assislir, honre conselho de governo em casa de V. Ex., e que a esse acto esliveiam presentes Mr. Maíl- lefer, encarregado de negocios de Sua Magestade o Imperador dos l'rancezes, e Mr. Hunt agente de Sua Magestade Britanníca. O ministro brazileíro, o representante do governo adiado e amigo, nao leve a honra de ser convidado para assiítir a aquelle conselho de governo. Porque ? Balarían os Sr*. Maillefer e Hunt encarregados da mesma eommíssiio que V. Ex. se dignou encarregar ao ministro brazileíro ? Seriam sollidlados para pres- tar a V. Ex. am apoto diverso, e que se nao concilías- su cora o objecto dos esforcos pralícados c amiga- veis que en ia empregar? Eran duvidas que natural- — 107 — mente deviam assaltar-me, c que me jusiificariain se < u dc'sse de máo a delicada empresa que me foi cora- metlida. Kechei porém os ollios a tildo que podía aggravar a siluacao, c nao desisii do prestar á Repú- blica e a todos os interesses ligados á conservacao de sua paz, o servico que eu tinha esperanca de poder prestar-lhc com a mesma felicidade que coroou meus esforcos ñas crises anteriores. A commissáo que pelo orgam dos Srs. Herrera y Obes e Flores recebi de V. Ex., ás instancias patrió- ticas destes dous senhores, se ajuntaram sollitaeóes de alguna commerciantes desta praca, e assim auto- i isado e animado, nao rae detíve ante a círcumstancía, aliás muito notavel que ácima referí. Sollicítei e obtive nma conferencia do Sr. general Pacheco y Obes que nao podía acechar nem-um com- promisso sem o concurso de alguns de seus amigos, propondo-me urna nova conferencia no dia seguinle, en a qual tomassem parle alguns de seus amigos, men- cionando d'entre estes os Srs. Dr. Joao Carlos Gomes c José" María Muñoz. Osnvim nessa proposí áo doSr. general Pacheco y Obes, prevenindo-o de que eu sollicilaria que o Sr. ministro da guerra tambera as- sistísse á nossa conferencia. Te ve esla logar no dia seguinte, 2¿i do córreme ao ineio dia. Antes, havia eu informado aos Srs. Herrera y Obes e Flores da conversaba/) que tive na vespera com o Sr. general Pacheco y Obes. V. Ex. estava convencido, e como V. Ex. militas pessoas, de que a ausencia do dicto Sr. general era urna eondkjSe principal, essencial c indíspensavel, para evitar que, incsmo a (tespelto delle, se nao re- novasse a sltuacao que se procurar* dominar. Muitos julgaram impossivel que se pudenm ob!er cssa con-— 108 — «ücao do Sr. general Pacheco y Obes. O ministro brazileiro soube tocar cm um ponto tao melindroso, mmii ferir as susceptibilidades e o pundonor do Sr. general Pacheco y Obes, e sem mallograr completa- mente o objccto do scu empenho. O ministro brazileiro obtcvc dcsse senhor o oom- promisso de auscntar-se do sen paiz com a nitor brevidade possivel, abandonando desde logo sincera c efTcctivamente a posicáo em que se havia collocado, e de que se queixava ao govcrno. R o ministro brazi- leiro offereceu prestar todos os meios e auxilios neces- sarios para a sabida dcsse senhor. Era urna promcssa a sabida do Sr. general Pacheco y Obes, c feita a mim com a condi<;ao de reserva, para que nao pare- cesse que elle o fazia contra a stia vontade. Mas o ministro brazileiro, violando aquella reserva, porque assim o exigía a paz da República, confíava que o proprio Sr. general Pacheco y Obes o desculparia, como efíectivainente verifieou-sc, e o ministro brazi- leiro garantid cssa promcssa conjunclamente com o Sr. ministro da guerra. Fot-mc tambetn anegando, nem honre a esse res- pailo a menor reluctancia, que os jornaes—a Ordem e o Nacional, c qnalquer outro que apparecesse como orgam do mesmo partido, niía se afastaria da linha que tracara o govcrno unía vez que do lado contra- rio houvesse a mesma obediencia ás exigencias da uniao e paz da República e ;is ordens do govcrno. O Sr. general Pacheco y Obes e scus amigos pc- diam, invocando os pactos de outubro de 1851, que se nomeassem ¡inmediatamente tres chefes políticos, cscolhidos no sen partido. Sem esta condícao, diziam, nem mesmo é possivel que ncnbum de nos possa responder pela conservacao da paz publica. — 109 — O Sr. coronel Flores, cuja probidade póde sem- pre ser invocada como urna garantía de tudo qnanto seja honra e verdade, o Sr. coronel Flores viu que eu procurei realisar o empenho do governo com um escrúpulo que me levou a desgostar algumas vezes as pessoas que eu quería persuadir a acceitar o que V. Ex. eslava disposto a conceder. Terminada a conferencia, roguci ao Sr. ministro da guerra que convocasse os seus collegas, para que em presenca de todos en communicasse o resultado de minha commissao. Os momentos me pareciam preciosos, e pois, sem esperar aviso, dirigi-me para a casa do Sr. ministro Herrera y Obes. Ali recebi a surprebendentc noticia de que, em quanto eu desempenhava tao delicado encargo do govcrno da República, o Sr. ministro Berro se havia occullado, e V. Ex. tomara a resolucáo de asilar-sc cm casa do Sr. encarregado de negocios de S. M. o Imperador dos Francczesl Esta noticia era tanto mais surprebendentc, quanto que esse procedimento de V. Ex. e do seu ministro do governo e relacoes exteriores nao havia sido accordado com os Srs. ministros flerrcra y Obes e Flores, e nenhuma cir- cumstancia nova o podía explicar. Appello para o juizo calmo c reflectido de V. Ex., appcllo para o juizo de todo o corpo diplomático, c files que digam se cm tudo isso havia ou nao causas e motivos mais que sufflcienles para que meus esfor- cos fossem imitéis, e eu me abstivesse de continúal- os. O ministro brazileiro foi pordm superior a todas essas contrariedades e aggravos, c attendendo ás no- bres instancias dos Srs. ministros Herrera y Obes e Flores, esperou o resultado da entrevista que clles iam pedir a V. Ex. na casa da legacio franceza, 10— 110 — onde se dizia que V. Ex. se acliava desde aquella manliá. V. Ex. ficou de dar urna solucáo hoje milito cedo. I\'o entretanto urna nova e grave circunstancia clie- gou ao meu conhecimento, a nota pela qual o Sr. ministro Berro me communicou, e depois muí he que a todo o corpo diplomático e aos agentes consulares, que V. Ex. suspendéra o exercicio de sua autoridade na capital, e provera á sua seguranca pessoal. Essa nota me fui entregue no dia 24 ás 9 horas da noite. Era a explícacao dos factos da manhá que tanta sorpresa e impressao causaram T Era acto posterior, e que me relirava tácitamente, e por um modo desusa- do., a commissáo de paz em que eu me achava empe- nhado? Admitti aprimeira hypothese.e conservei-me disposto a proseguir no meu empenlio, de accordo com os Srs. ministros Herrera y Obes c Flores. O que cntao occorreu consta das carias trocadas entre V. Ex. e o Sr. ministro Herrera y Obes, em cuja casa me conservei até ás qualro boras c meia da tarde, para prestar o servico que aínda estivesse ao meu alcance, a bem da paz e ordem constitucional da liepublica. lleporto-me pois a essas cartas, e rogo a V. Ex. que as considere como parte cssencial e inte- grante desta resposta que tenho a honra de dirigir-lhc em momentos para mim lao aziagos. Ames de ser conhecida a resolucáo, que V. Ex. acabou de communicar ao Sr. ministro Herrera y Obes na manha de hoje, o Sr. general Pacheco y Obes, vendo crescer a torrente da excitaQáo publica, de modo que dentro de poucos momentos já nao po- deria ser comida, veiu expontaneamente ó minha casa declarar-me que estava promplo a embarcar — 111 — immediatamente para sabir do payz, se a sua pessoa era o único obstáculo ao desenlace pacifico. V. Ex. porém já nao se contentava com a separaQao immediata e completa do Sr. general Pacheco y Obes, e exigia que elle e scus amigos se submettessem a novas medidas. O resultado foi o que eu tinha pre- visto, o que muitos previram, e soube que já se es- tava realisando, quando me chegou ás máos a commu- nicacao de V. Ex. a que ora respondo. V. Ex. diz em sua citada communicaeáo que se eu livcsse boa vantade em prestar-lhe a efQcaz proteceáo que sollicitou, o poderia facer sollicitando os meios, que me faltam, aos agentes das demais potencias exlrangeiras que os tem á sua disposie/io neste porto. A expressao a boa vontade » crcio que escapou a V. Ex. quando o seu espirito se achava assaz agitado. Em outras circunstancias essa expressao nao podia fallir da penna de V. Ex. pata o ministro brazilciro, ou attendesse ao carácter ofíicial desse ministro, ou attendesse ao seu carácter pessoal. Considerare! sómente o meio que V. Ex. me indi- ca, depois de tudo que levo referido para prestar-lhc tim efíicaz apoio. Em que direito me fundaría eu para sollicitar dos representantes das nacóes que tem torcas navaes neste porto, que m'as prestassem em auxilio da autoridade de V. Ex. ? Dado que essa sollicitaQáo fosse justificavcl, admís- sivel, e assaz efíicaz, como obiariam esses contin- gentes de forcas extrangeiras sol» a dírecc/io de um só ou de seus respectivos chefes? INáo Té V. Ex. que de inconvenientes podiam dahi surgir? E é razoavel crér que eu seja de antemáo autorisado para actos tao imprevistos e de grande responsabilidade ?— 112 — A mcsma deficiencia de forca ti ve eu de allegar, quando V. Ex. me fez igual requisicáo em junho do anno passado. Porque enliio se reconheceu o facto táo real como lioje, e se agradeceu ao ministro bra- zileiro a sua boa vontadc, e hoje como que se poe cm duvida urna e outra cousa? Se V. Ex. quería ter scmpre prompto á sua disposicáo um apoio efliraz de torcas brazileiras, porque o nao sollicitou como medida preventiva? Nunca o fez, e porem é certo que, se era possivel prestal-o, o governo imperial o nao podía fazer sem requisicáo de V. Ex. Esse apoio material, Exm. Sr., nao fóra preciso se a allianca do Imperio nao fosse, como tem sido, dcsmoralisada por successivos actos que eslao no do- minio do publico c contra os quaes se tem reclamado e protestado por parte do Imperio. Esse apoio material, nao tcria occasiáo, ousómente seria applicado cm casos que o tornariam benéfico e bem acceito por todo o payz, se a política da allianra nao fosse contrariada de facto, como o tem sido, ainda que contra as seguí ancas e bons desejos de V. Ex. Nao é boje, Exm. Sr. que apresento estas ob- scrvacoes e protestos a V. Ex. Aprescntei-os muito antes, tenbo nelles insistido com perseveranea, mas tambem com a moderacao e respeito que meu go- verno prescreve a todos os seus agentes, qualquer que seja a nutureza e fundamento de suas reclama- cóes, especialmente em suas relacoes com os Estados amigos e visinhos. Nao se tem querido entender a allianca conforme o se u espirito cas suas condicoes expressas. Muitostcm entendido que a allianca do Imperio com a Rcpu- blica so tem importantes direilos para esta, e graves ubrigacTi? s para aquelle. Muitos tem entendido que a — 113 — allianca estipulada em 12 de outubro de 1851 signi- fica que o Imperio constituiu-sc em um capitalista senipre prompto a emprestar generosamente seus capitaes á Kepublica, e em um instrumento passivo da sua autoridade constitucional. Dahi vem, Exm. Sr., que essa allianca deixou de ser tao benéfica, quanto podia ser;perdeu aforra moral, que o governo da República devia ser o mais interessado cm manter rom lodo o seu vigor. Se o ministro brazileiro, que semprc tallón e tra- balhou com empeubo nesse sentido, nao merece hoje jusilla de V. Ex., elle o deplora, mas tem a cons- rienria tranquilla de que nao lhe cabe a mais leve responsabilidade nos successos que se cstáo desen- volvcndo a esta hora, ñas desgracas que dclles viráo á licpublica. Fez para evital-o quanto humanamente lhe era possivel. Com esta convicc,áo, elle vae submetter todos os seus últimos actos e os recentes successos ao co- nhecimento c ao superior e imparcial juizo de S. M. o Imperador. No entretanto, jtilga que nada mais lhe cumprc dizer em resposta á comnmnicacáo de V. Ex., e tem a honra de renovar as expressoes da perfeita estima e alta consideracáo que tem pela pessoa de V. Ex., a quem Dcus guarde muitos annos. Illm. e Exm. Sr. D. Juan Francisco Giró, presi- dente da República Oriental dJ Uruguay. Josc María da Silva Paranhvs.— 114 — .IOTA DA LEGACÁO IMPERIAL DO BRAZIL EM MONTE- VIDEU AO PRESIDENTE DA REPUBLICA ORIENTAL DO URUGUAT. Legacao Imperial do Brazil na República Oriental do l ruguay.—Montevideu, 30 de outubro de 1853. Illm. e Exm. Sr. D. Francisco Giró, presidente da Repi'blica Oriental do Uruguay. Tive a honra de levar ao conhecimento do go- verno de S. M. o Imperador a nota que V. Ex. me dirigiu com a data de 1 do corrente mez, t>. de accordo com as ordens e instrucgoes que me foram transmittidas, passo a responder a V. Ex. O governo imperial deplora que fossem contra- riados pela maneira que communiquei a V. Ex. na minha nota de 25 de septembro os esforcos que o ministro residente do Brazil em Montevideu empre- gou, com autorisa<;5o de V. Ex., para obter um desenlace pacifico e honroso dos acontecimentos que occorreram nesta capital naguelle e nos dous días anteriores. Se assim nao fosse, o governo imperial tem motivos para crfr que o ministro do Brazil teria conseguido o fim que se propuzera, e de que fdia por V. Ex. encarregado, e a situado da República, assim como a de V. Ex., seria hoje muito diversa do que é, V. Ex. nao teria certamente de invocar o tractado de allianca de 12 de outubro de 1851. Julgando porém V. Ex. achar-se no caso de invo- car este tractado para intervir hoje o governo impe- rial de um modo mais efficaz no restabelecimento de sua autoridade, tem o mesmo governo por oppor- — 115 — tuno declarar a V. Ex. que, da combinacáo dos arts. 5.' e 6." do dicto tractado, resulta clara e evidente- mente que o apoio que o governo do Brazil se com- prometteu a prestar ao da República nao consiste únicamente no auxilio de forras de mar e térra, mas tambem nos conselhos e bons oiTicios que possam concorrer para dispensar aquclle extremo recurso. Os conselhos e bons officios em laes circumstancias dáo forca moral, sao muitas vezes mais cíDcazes para conjurar as crises sociaes do que o emprego de forca armada, e devem naturalmente preceder ao uso desta. Assim que o governo imperial, antes de ser cha- mado a obrar activamente , tem pelo sobredicto tractado o incontestavel direito de ser ouvido como amigo e alliado, e de ser attendido. Sem este direito converter-se-ia o governo imperial n'um instrumento passivo, n'um mero executor da vontade, e por ven- tura das paixoes do governo da República. Esta po- sicáo nao é nem podia ser a que lhe assignala o tractado de allianca. Infelizmente nao se quiz ouvir ao ministro resi dente do Brazil, desconhccendo-se urna obrigaQao imposta pelo tractado. Esta é a verdadcira origem das complicacoes e dos males que todos sentcm. Pretende-se hoje cortar com a espada as diüiculda- des que entao seria fácil desalar. Prescindindo porém desla consideraran, releva declarar a V. Ex. que o governo imperial cnlendc que nao lhe compete ser parte principal na questao interna que se aprésenla, mas, sim, auxiliar os esfor- cos dos cidadáos da Repiibiica Oriental para resta - belescer a autoridade legitima deposta por meios inconstitucionaes.— 116 — Até a dacta de 5 do corrente moz nao havia recc- bido o governo imperial itiformaroos algumas que O pudessem habilitar a reconhecer que era chegado o caso de se considerar obrigado a prestar esse auxilio. As noticias recebidas annunciavam apenas estar V. Ex. asilado em um vaso de guerra da nacao francesa, debaixo da protec^ao da bandeira dcsta nacáo, proteccao que V. Ex. espontáneamente pre- feriu a aquella que llie offereciam os vasos de guerra brazileiros surtos neste porto. Por oulra parte nao constava ao governo imperial que os departamentos da República recusassem adhe- rir ao pronunciamento da capital, e nem-uma re- quisicáo Ihe havia sido feita pelo respectivo enviado extraordinario e ministro plenipotenciario com de- elaracaoda forca de mar e térra que V. Ex. pretende que lhe seja prestada. E pois, o governo imperial nao. eslava convenientemente esclarescido para poder deliberar e resolver acerca da c.oncessáo de auxilio na forma do art. G." do tractado. Isto nao obstante, o governo imperial julgou acer- tado expedir desde logo ordens para postar na fron- teira do Brazil, na provincia de S. Pedro do Rio- Orande do M, urna divisáo composta de cinco mil pravas das tres armas, e para augmentar a estacáo naval deste porto com mais um vapor de guerra; e ora me ordena que commtinique a V. Ex. que elle está disposto a cumprir pela sua parle o tractado de allianca, prestando o auxilio que lhe fór requisitado, urna vez que a requisiqüo se lhe aprésente c se verifique o caso de dever obrar como auxiliar e nao como parte principal que tenha de impór A von- tade geral da naqño um governo que nella nao encontré apolo. — 117 — Ale"m disso o governo imperial pensa que aínda hoje subsislem os motivos que diclaram a disposirao do art. 11 do tractado de allianca de 12 de outubro, e que os interesses legítimos de todos os habitantes do Estado Oriental aconselham a que se nao adopte o emprego da forca na repressaodosdissidentes, senao no caso de tornar-se impossivel urna conciliacao que, baseando-se essencialmente no rcconhecimcnio da auloridade legal de V. Ex., assegure ao mestno tempo a todos os comprometidos o pleno esquecí- mento do passado e urna marcha governativa capaz de harnionisar os ánimos, c de inspirar-Ihes con- fianza no futuro, produzindo a pacificacao moral dos cspirilos, láo necessaria á prosperidade dopayz. ü governo imperial confia que V. Ex. nao repellirá unía proposla concebida e apreseutada no interesse de evitar a eflusáo de sangue, e com ella os odios c perseguicóes que se perpetuam no payz onde elle se derrama. Em consequencia do exposto, recebi ordem do meu governo para enlender-ine pessoalmente com V. Ex., e para procurar o seu accordo, declarando a V. Ex. que pode confiar no apoio das forcas navaes brazileiras estacionadas neste porto, e das de térra que devem marchar para a fronteira, assim como na disposicáo em que se acha o inesmo governo de cumprir religiosamente o tractado de allianca, em- pregando todos os esforcos a ñm de que seja resta- belescida a autoridade conslitucional de V. Ex., sendo a amnistía que se piopóe concedida sem pre- juizo das medidas de seguranca que o governo lcgaj de V. Ex. julgar indispensaveís para vedar a repro- dúcelo de actos subversivos daquella autoridade. Para salisfazer portanto ;ís ordens e inslruccoes a— 118 — que me refiro, tenho ncsta occasiáo a honra de diri- gir-me a V. Ex. pedindo-lhe que haja de designar- me, quanto anlcs, aonde c qtiando devo procurar a V. Ex., assegurando-lhe milito feliz me julgarei se, no desempenho dcsta missáo, os meus serviros puderem ser de alguma milidade a este payz. Tenho a honra de ser com a mais distincta con- sideracáo e profundissimo respeito De V. Ex. muilo attencioso e certo criado José María da Silva Paranhos. Hlm. e Exm. Sr. D. Juan Francisco Giró, presi- dente da República Oriental do Uruguay. CIRCULAR DO GOVERNO BRAZILEIRO. Rio de janeiro.—Ministerio dos negocios extran- geiros, em 19 de janeiro de 1864. O abaixo assignado, ministro dos negocios extran- geiros, recebeu ordem de S. M. o Imperador, seu augusto soberano, para fazer ao corpo diplomático a seguinte communicacao : Quando pela convenció preliminar de paz cele- brada entre o Imperio do Urazil e a República Ar- gentina em 27 de agosto de 1828, se creou o novo Estado, que tomón o nome de República Oriental do Uruguay, foi reconhecida pelas ditas altas partes con- tactantes e pela Graa-Bretanha , que assistiu a aquelles ajustes, a necessidade de intervencáo e pro- teceáo extranha para poder consolidar-se a paz, e estabelescer-se e sustrntar-se um governo regular naquelle payz. — 119 — Diversas estipularles seadoptaram naquella con- venció, as quaes tinham por objecto satisfazer a necessidade que se havia reconhecido. Pelos arts. h.° 5.° e 6." proviu-se sobre a livre eleicáo de representantes, e sobre a eleicáe por elle» íeita de um governo provisorio; pelo art. 7.* se Ihes impóz a obrígacaode formar urna conslituicao polí- tica que, antes de ser jurada, devia ser examinada por commissarios dos governos contractantes ; pelo art. 9." sanecionou-se o absoluto e perpetuo esqne- cimento dos actos c opinioes anteriores ; e ultima- mente pelo art. 10 estipulou-se a intervenido dos governos contractantes, durante cinco annos, em favor do governo legal, urna vez quea tranquillidade e a seguranca publica fossem perturbadas pela guerra civil. A guerra civil que se receiava appareceu ; porém ilevenrlo a intervencáo ser acto collectivo dos dous governos contractantes, nao estando previstos nem definidos os meios de leval-a a effeito, e nao se har- monisando as vistas dos que deviam executal-a pelos notorios projectos do dictador Rosas, desde que assu- miu o governo de Buenos-Ayres, a intervencáo nao se realisou, e a guerra civil tomou as proporcoes, c produziu as complicacoes que motivaram a mediu- cao da Fianca e da Inglaterra em 1842, e a inter- vencáo destas duas potencias desde 1845. Os soffrimentos que lüo lamenta vel estado de cousas impunlia ao Brazil chegaram a ser insu porta- veis. A constante agilncáo em que estiveram as suas fronteiras do sul olirigoti o governo a conservar ahí em pé de guerra, com enorm 'sdespezas e sacrificio», forcas considera veis.— 120 — Os Brazileiros, estabelescidos em grande numero no Estado Oriental, foram vcxados e opprimidos ctn suas propriedadcs. O inteiesse político que o Brazil tinha, e continúa a ter, na conservado da independencia do Estado Oriental, compromettido durante lodo esse lempo, eslava já a ponto de perecer. Para cumulo de tantos males a consummacáo da ahsorpcáo do Estado Oriental pelo dictador ltosas collocava o imperio no pcrigo de urna guerra, que já se annunciava, e que era absolutamente ine- viiavel. Nesla situacaoo governo do Brazil resolveu preca- ver-sc, e organisou para esse fim acoalíc..ao de 1851, que libertou o Estado Oriental, e póz termo á lyrauia de Ü. Joao Manuel de Bosas no itio da Prata.» « O Estado Orienlal comtudo, ao entrar no gozo de sua libcrdade, achou-se cm urna situacao deploravel. A campanba havia sido devastada, e a cidade de Montevidcu bavia sacrificado tudo quanto um po\o pode sacrificar durante sua longa e heroica defeza. A populacao bavia diminuido lanto que a Itepublica conniva apenas 130,000 habitantes. A criacjto, que é a sua única industria, eslava quasi completamente arruinada pelo aniquillamento do gado. Os capitaes ha v i,un dcsapparecido. Os hábitos do trabalho estavam esquecidos. As propriedades e as rendas publicas tinham sido alienadas por longo lempo; pesa va sobre ellas urna divida relativamente enorme, a qual verificou-se depois que montava a maisde üO,000,000 pesos fortes, e urna grande parle da populacao rcclaniava subsistencia, recompensas ou indemnisacóes. — 121 — O enviado extraordinario e ministro plenipoten- ciario da Bcpublica nesta corte, a presen lando este lú- gubre quadro, e manifestando com elle os perigos que correría a mesma nacionalidade de sen payz, se nao fosse forte e generosamente auxiliada, sollicitou do governo do Brazil, em nome do seu governo, o auxilio de que este carecía. O mesmo propoz c apresenlou os projectos dos Hadados que se concluiram em 12 de outubro de 1851. Estes tractados, que removeram asquestóes pen- dentes entre os dous payzes como meio de chegar a urna allianca solida, funduram essa allianca sobre as mesillas bases da convencao de 1828, desenvolven- do-as mellior, e completando-as. Corrigiu-se pelos arts. 5.° e 6." do traclado de allianca de 1851 a causa que impossibilitára a inler- \ cucan estipulada no art. 10 da convenció de 1828. A aceao do governo do Brazil nao ficou dependente da vontade do governo argentino ; porém ao mesmo tempo o governo argentino nao ficou excluido, ncm loi alterada aposicao que lhedá a convencao de 1828. O art. 1 'i do traclado de allianca de 12 de outu- bro de 1851 diz textualmente que as duas altas par- tes contraclantes convidaráo aos Estados Argentinos a que, accedendo ás cslipulacóes que precedem, fa- cam parte da allianca nos termos da ni ais perfeiu igualdade e reciprocidade. Fiel assim com escrupulosa religiosidade á política da convencao de 1828, dispensou o Brazil com mao larga a prntecqao que llie foi permittido dar ao Es- lado Oriental. Infelizmente as suas intcncóes nao foram bein apreciadas pelos que tomara ni a direcqáo dos negó-— 122 — cios públicos daquelle payz, nem a propria situacao do payz foi por elles bem compreliendida. As mesmas estipularles dos traciados que garan- tía m os direitos de todos os habitantes nacionaes e extrangeiros, as que estabeleciam bases para o re- nascimento do crédito publico, garantías á paz e con- fianza no futuro do payz, foram menos bem apre- ciadas. Foi neste estado de cousas que se operou urna mudanca política naqttcllc payz. O payz pareceu acceitar esta mudanza, c nem-uni esforco fez para sustentar a cansa da presidencia do Sr. D. Juan Francisco Giró. O Brazil nao se julgoti obrig ido a fazer-se parte principal para emprehender urna guerra injustifica- vel com o finí de rcsubelccer aquella presidencia. Assim o mandón declarar o govemo imperial ao Sr. Giró, quando ello icqiiisitoii auxilio de torras ao ministro reside te do Brazil cm Monlevideu. Depois(testa declararao appareccram alguns chefes eni armas elancaram-se ñas correrías da guerra civil. As armas do governo provisorio trinmpharam mm todos os pontos cm que se mediram com as dos 6eus contrarios, e desta dolorosa prava resultou só- menle a perda de umitas vidas, e nem-uma vanta- gem para i cann do Sr. Giró. Portfm nos tres mezes que duron a hita, a situa- cao da República tem «mpeiorado consideravelmentc. A popul e n», j'i tao diminuta, tem sofTrido urna perda que excede a quinze mil pessoas uteis. Os emigrados que vinham para a República tem tomado outro destino* Os capita. s que principiavam a apparecer tem-se outra ve/, recibido. — 123 — O commercio acha-se paralysado. As rendas, aliás escassas, esláo se consumindo por anlicipacocs onerosas. A divida publica augmenta-se cada vez mais. Os credores do Estado, em cujo numero se encon- trani extrangeiros de diversas nacóes, vém adiar-se a esperanca de serem pagos. E, o que é talvez peior do que tudo, as paixoes e os odios civis cada vez mais se enfurecen! pela pros- cripto de homens, pelo sequestro de bens, e por violencias de todaa especie. Neste estado de cousas que compromette visivel- mentc a existencia nacional daquella República, por- que aniquilla todos os elementos da vida política, c até da vida social, o auxilio do Brazil, reclamado pri- meramente pela presidencia do Sr. Giró, foi recla- mado depois pelo governo provisorio, e é invocado por todos os habitantes paciOcos sem distinccao de partidos. Estas rcclamacoes fundam-se no texto dos tracta- dos de 1851, e o governo do Brazil tem empenhada a sua honra na execucSo da política destes tractados. A sua honra e o seu interesse harmonisam-se feliz- mente neste caso, nao só com os sentimentos de hn- naanidade, mas tambem com os interesses de todas as nacoes que tem subditos e relacóes de commercio na Bepublica Oriental. O governo do Brazil portanto, á vista das graves consideracoes que se tem exposto, foi induzido a in- tervir nos negocios do Estado Oriental. O governo do Brazil confia que nao terá de em- pregar as suas forcas senáo á requisicao do governo do Estado Oriental: mas em qualquer caso que o faca, o seu flm nao será outro senáo — assegurar a existen-— m — cía do mesmo Eslado, — o exercicío dos dlreitos de lodos os seus habitantes, — a paz e o socego public >, e o estabclecimcnto deum governo regular e duravcl, dando assim execucáo á poli ica consignada no trac- tado de allianra de 12 de outnbro de 1851. O governo imperial ci é que esta intervencáo, cujos i ¡lulos se encontram na convencao de 27 de agosto de 1828, nos tractados de 12 de outnbro de 1851, c nos essenciaes interesses do imperio, prejudicados pela agitacao permanente das suas fronteiras do snl, e por outras causas, será recebida pelos governos das nacóes amigas como um acontecimento feliz para litimanidade, aflligida por tao prolongadas guerras civis, e para o commercio e a emigracáo, tao directa e continuadamente contrariados por aquelle flagcllo. O governo do Brazil nao quer para si, quaesquer que sejam as circumstancias, nem-um predominio illegilimo no Estado Oriental, e dcixará ao mesmo Estado na posi^áo que lbe assignalam a convencao de 1828 e os tractados de 1851. O governo do Brazil limitar-se-á portanto a resta- belescer e consolidara paz, e a sollicitar, garantir c auxiliar o eslabelescimento de urna ordem e de um governo regular e duravel, quedé garantías a todos ns habitantes, c bases para que possam desenvol- rer-se os elementos de prosperidade que o payz en- oem, adqtiii indo assim condicoes de solida e com- pleta independencia. O governo do Brazil nao aspira a nem-um aug- mento territorial, e considera e declara solemne- .mente como limites definitivos entre o Imperio e o Estado Oriental os que se acbam fixados no traclado de 12 de outubro de 1851. Ultimamente o governo do Brazil, tendo sómente — 125 — por objecto, na política que se tcm prescripto, salvar o Estado Oriental e fortalecer e firmar a sua independencia, nao recusará o concurso de qualquer potencia que com elle queira entender-se sobre os meios de se conseguirem os indicados fins. O abaixo assignado espera que o Sr... transmittirá esta communicacao ao seu governo como um teste- munho da considerado e deferencia do governo im- j ►erial, c aproveita-se da occasiao para reiterar ao Sr... as expressóes de sua estima c consideracáo. Antonio Paulino Limpo de Abreu. KOTA DA LEGACÁO IMPERIAL DO BRAZIL EM MONTE- VIDEU A S. EX. O SR. D. JUAN FRANCISCO GIRÓ. Legarlo Imperial do Brazil.—Montevideu, em 30 de janeiro de ISj.'i. lllm. c Exm. Sr.—O abaixo assignado, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario de S. M. o Imperador do Brazil recebeu ordem para conimu- nicar a V. Ex. a resolucao que o governo de S. M. o Imperador julgou que lbe cumpria tomar em vista da nota dirigida por V. Ex. a esta lega.ao com a data de 3 de uovembro próximo passado, e dos la- mentaveis e para elle imprevistos successos, que posteriormente occorréram neste payz. V. Ex. reconheceu e expressou pela sua mencio- nada nota que a República se nao achava ñas cir- cumstancias em que pelo tractado de allianra subsis- tente entre os dous payzes o governo imperial seria— 126 — obrigado a intervir como auxiliar, para evitar os grandes desastres de urna guerra civil, e sustentar a autoridade que era por V. Ex. representada e exercida. O governo provisorio que, em substituirlo dess» autoridade, se estabeleceu nesta capital aos 25 diasde septembro próximo passado, esta va de facto acceito, e era obedecido em toda a República. Esta nova or- dem de cousas foi inaugurada e reconhecida sen» luía, tendo poneos tentado resistir-Hie, e terminando estas poncas e inefllcazes tentativas pela immediata adhesao, ou submetlimcnto de seus autores. V. Ex. mesmo sollicitou espontáneamente vottar do asilo em que se achava, para residir em Montevideu como- simples cldadao, e eíTectivamente desembarcón e poz-se sob a autoridade e acejio do governo provi- sorio. Nestas circunstancias, que eram entao des- conhecidas do governo imperial, e inteiramente dis- tinctas daquellas, em que cite ordenou as declaraQóes que por nota de 30 de outubro esta legacáo fez a V. Ex., o procedí mentó que cabia ao mesmo go- verno imperial era o de expectativa, mediante a mais estricta abstencao. Esse procedimento foi o que elle desde logo se prescreveu, respeitando assim os seus principios de ordem, o direito internacional dos dous payzes, e a independencia e soberanía da nacao oriental. O mal da subversao da autoridade constitucional estava feito, V. Ex. assim o reconheceu, quando em sua nota de 3 dezembro decisión que nao se déra o caso previsto no tractado de alliauca, que V. Ex. acecha va a posicüo em que o collocavam os aconteci- mientos, e que por isso, e por nao nutrir preteoc-óes pessoaes, se considerara inhabilitado para dizer ao — 127 — governo imperial cousa alguma sobre este estado de cousas. Assim é que o procedimento já expressado era o que a honra, o direito e razáo aconselliavam ao go- Terno imperial, e o que elle eilectivamente adoptou. A estricta abstencao, porém, tornou-se insusten- tavel na presenta dos movimentos que ha pouco ap- pareceram na campanha neste Estado, cujo resul- tado único foi a perda de algumas vidas, a irritaráo do espirito de partido, e grave detrimento para a fortuna publica e particular. A continuacio do mesmo procedimento prestar-se-ia a manter urna sitúa áo hicompalivel com o restabelecimento da or- dem publica, e evidentemente contraria & paz do Es- tado Oriental. O governo imperial, portanto, induzido por tüo graves considerares, reconhecendo que a obrigacao contida nos artigos 5.° e 6.° do tractado de allianca nao foi estipulada para destruir a independencia do payz e subjugal-o; e vendo que é isto o que aconte- cería, se o governo imperial se propuzesse impór á República por meio das armas um governo que ella repellia, resolveu entender-se com o governo pro- visorio quese acha estabelecido na capital, e declarar a V. Ex. que, á vista da nova situacaodopayz, nao se julga mais no dever de prestar a V. Ex. o auxilio a que se referem os citados artigos do tractado de alliauQa. O governo imperial lamenta que V. Ex., ainda depois da triste experiencia dos últimos aconteci- mentos deste payz, desconheca o direito que nao po- día deixar de competir ao mesmo governo imperial de ser prevenido, ouvido e attendido, como alliado c amigo sobre as eventualidades previstas no tractado— 126 — obligado a intervir como auxiliar, para evitar o» grandes desastres de urna guerra civil, e sustentar a autoridade que era por V. Ex» representada e exercida. O governo provisorio que, em substituicáo dessa autoridade, se estabeleceu nesta capital aos 25 dias de septembro próximo passado, estava de facto acceito, e era obedecido em toda a República. Esta nova or- den, de cousas foi inaugurada e reconhecida sen* lma, tendo poucos tentad» resistir-Hie, e terminando estas poncas e inefficazes tentativas pela immediata adhesáo, ou submelitaiento de seus autores. V. Ex. mesmo sollicitou espontáneamente vottar do asilo em que se achava, para residir em Monte videu como- simples cidadao, e eflectivamente desembarcou e pdz-se sob a autoridade e accao do governo provi- sorio. Nestas circumstancias, que eram entáo des- conhecidas do governo imperial, e inteiramente dis- tinctas daquellas, em que elfe ordenou as declaraqóes que por nota de 30 de outubro esta legacáo fez a V. Ex., o procedimento que cabia ao mesmo go- verno Imperial era o de expectativa, mediante a mais estricta abstencao. Esse procedimento foi o que elle desde logo se prescreveu, respeitando assim os seus principios de ordem, o direito internacional dos dous payzes, e a independencia e soberanía da nacáo oriental. O mal da subversao da autoridade constitucional estava feito, V. Ex. assim o reconhcceu, quando em sua nota de 3 dezembro decisión que nao se déra o caso previsto no tractado de allianca, que V. Ex. acceitavaaposicao em que o collocavam os aconteci- mentos, e que por isso, e por nao nutrir preteoc.6es pessoaes, se considerava inhabilitado para dizer ao — 127 — governo imperial cousa algnma sobre este estado de cousas. Assim é que o procedimento já expressado era o que a honra, o direito e razao aconselhavam ao go- Terno imperial, e o que elle eflectivamente adoptou. A estricta abstencao, porém, tornou-se insuslcn- tavel na presenta dos movimentos que ha pouco ap- pareceram na campanha neste Estado, cu jo resul- tado único foi a perda de algumas vidas, a irritarao do espirito de partido, e grave detrimento para a fortuna publica e particular. A continuacSo do mesmo procedimento prestar-se-ia a manter urna sitúa ao incompativel com o restabelecimento da or- dem publica, e evidentemente contraria á paz do Es- tado Oriental. O governo imperial, portanto, induzido por ta© graves consideracóes, reconhecendo que a obrigacáo contida nos artigos 5.° e 6.° do tractado de allianca nao foi estipulada para destruir a independencia do payz e subjugal-o; e vendo que é isto o que aconte- cería, se o governo imperial se propuzesse impdr á República por meio das armas um governo que ella repellia, resolveu entender-se com o governo pro- visorio quese acha estabelecido na capital, e declarar a V. Ex. que, á vista da nova situacaodopayz, nao se julga mais no dever de prestar a V. Ex. o auxilio a que se referem os citados artigos do tractado de allianca. O governo imperial lamenta que V. Ex., ainda depois da triste experiencia dos últimos aconteci- mentos deste payz, desronheca o direito que nao po- dia deixar de competir ao mesmo governo imperial de ser prevenido, ouvido e attendido, como altiado e amigo sobre as eventualidades previstas no tractado— 128 — de allianca, antes de ser chamado a obrar activa- mente para sustentar a autoridade legal da Repu- Mic.ii, ou defender a sua independencia e soberanía. Eme erro em que V. Ex. insiste, pretendendo que o governo imperial se constituiu pelo tractado de al- lianca um mero instrumento passivo, um mero eje- cutor da vontade, e por ventura das paixóes do go- verno da República, tornou aínda mais necessarias as declaracdes que o abaixo assignado acaba de fazer de ordem de seu governo. O abaixo assignado sauda a V. Ex. com as expres- soes da sua mais distincra consideracao, e tem a honra de assignar-se, de V. Ex., etc. Illnt. e Exm. Sr. D. Joáo Francisco Giró, etc. José María do AmaraL KOTA M S. EX. O SR. D. JUAN FRANCISCO GIRÓ AO MINISTRO DO BRAZIL EM MONTEVIDEU. Buenos-Ayres, 1.° de marco de 1854. Sr. ministro. — O abaixo assignado recebeu a nota de 30 de janeiro próximo passado que V. Ex. lhe fez a honra de dirigir-lhe, communicando-lhe, de ordem de S. M. o Imperador do Brazil, que, á vista da nova situacao da República, havia resolvido entender-se com o governo provisorio estabelescido em Monte- videu, e declarar ao abaixo assignado que nao se julga já no caso de dever prestar-lhe os auxilios a »|ue se referem os arts. 5.° e 6.° do tractado de alliaaca subsistente cutre os dous payzes. — 129 — Se esta resolucao do governo imperial se referisse sómenie á pessoa do abaixo assignado, elle se limiia- ria hoje a acensar a sua recepcao, dando-se por nulificado della, porque, como repetidas vezes o tem manifestado, ncm-um interesse pessoal o move neste negocio ; poiém como ella affecla dircitos e interes- st's do seu payz, nao lbe é licito deixar de tomar em consideragao, sem lornar-se cumplice, com o sen silencio, do olvido a que fícam condemnados. Deseja pois o abaixo assignado que se cntenda bem que, se o gabinete brazileiro julgou conve- niente proceder pelo modo por que o fez, nao pode convir com V. Ex. em que tal procedimento seja o que a honra, o direito c a razao lhe assignalavam. O Brazil eslava obrigado pelo tractado de allianca de 12 de outubro de 1851 a sustentar o governo constitucional da República, pelos quatro annos de sua diiracáo legal, no caso de qualquer movimento armado contra sua existencia ou autoridade, e no da deposicao do presidente por meios insconstitucio- naes, fosse qual fosse o pretexto dos sublevados. E eslava, além disso, obrigado a nao recusar o sen auxilio sob nem-um ■pretexto. O art. 5.° diz assim : « Para fortificar a naciona- « lidade oriental por meio da paz interior e dos ha- « bitos conslitucionaes, o governo de S. M. o Im- « perador do Brazil se compromelte a prestar officnz « apoio ao que deve eleger-se constitucionalmentc « na República pelos quatro annos de sua durarao < legal. » O art. 6.° diz : « Este auxilio será prestado pela* « forcas de mar e térra do Imperio, a requisir¿ao do « mesmo governo constitucional da República nos • casos seguintes:— 130 — « i.* No de qualquer movimento armado contra « sua existencia ou autorklade, seja qaal fór o prc- « texto dos sublevados. « 2." No de deposicao do presidente por meios « ¡nomstitueionaes. » O arl. 7.° diz: « O governo imperial nao poderá, « debaixo de nem-um pretexto, recusar o seu auxi- « lio, em qualquer dos casos do art. anterior. » A letra destas estipulacoes é lao clara que nao admitte intcrprelacáo alguma que desvirtué a obri- gaciio, que por ellas contraían o Brazil, de auxiliar o governo constitucional da República nos casos e pelos meios ali expressados. Todo foi táo perfeilamente previsto nellcs que parece terem sido feitos para as actuaes circumstan- cias. Nem-uma reserva, nem-uma excepeáo ha que possa prestar-se a subterfugios. A única condicáo que contera é a de que o auxilio será prestado á requisicao do governo constitucional, e esta condicao a preencheu o mesmo governo antes e depois de sua deposicao. O objecto destas estipulares era, como diz o texto, fortificar a nacionalidade oriental por mcio da. paz interior c dos hábitos consiitucionacs, com- batendo a anarchia, qualquer que fosse a mascara com que se apresentasse. Havia nisto urna conve- niencia commum a ambos os contactantes. A Repú- blica tinba o interesse da ordem e da paz interior, e o Brazil o de preservar-se do contagio das revolucoes políticas. Por isso, e em troca tambera das vantagens de outro genero que llie davam os tractados de 1851, se impoz o Brazil a obrigacao de defender com seu poder a leí constitucional da República. — 131 — Entretanto o governo constitucional que o Brazil eslava conipromeitido a sustentar, viu-se amcacado era sua existencia e autoridad'1 pelo movimento armado de 18 de julbo do auno próximo passado, e foi finalmente derribado por meios inconstitucionaes no dia 25 de septembro seguinte, sem que o Brazil lhe prestasse os auxilios que i epetidamente se pedi- ratn ao ministro brazileiro, antes e depois destes suc- cessos, para fazer respeitar sua autoridade. O movimento de 18 de julbo aterro» e poz em agitacao a campanba, que viu por elle oüendidas nossas instituirles, e núo socegou seniio com a voz do governo constitucional que, esperando restabeles- cer na capital o imperio da lei por meios conciliato- rios, envión o ministro da guerra em commissáo para tranquillisar os ánimos , como effectivamenlc succedeu. Comnioveu-se de novo a campanba ao primeiro annuncio dos successos de septembro, reunindo-se os habitantes em diversos departamentos, e arman- do-se em defesa da ordem legal; e se tí eerto que estas reunióos isoladas, sem concertó nem direccao, foram fácilmente dissolviclas ou submettidas pelas loicas que o governo da cidade dirigiu contra ellas desde os primeiros momentos de sua installacáo, nao é menos certo que a campanba mostrou abertamente, do modo que pode, sua desalfciiao á nova ordem de cousis que se lite iuipunlia, sem que a aecáo do Brazil se livesse feilo sentir cm favor das inslituicdcs derribadas. Contido este segundo pronnneiamento dos consti- tucionaes, renasceu com mais vigor nos primeiros diasde ob venturo a reacQSo constltncional quedurou até o fim esla ligeira exposicáo de factos e cirrumstancias resulta que se consumniou no Estado Oriental urna rcvolucao fundamental em seus principios constitu- tivos, sem que o Brazil tenba tomado-, em defesa delles, a parte que, como ■!liado, lbc designa o trac- tado de alliam;a de 12 de outubro de 18Ó1: que cou- senou-se, pelo contrario, na posicao expectante de um neutro, e esperón impassivel o resultado dos successos, para v:r d-pois reconliecer o direito da forra, a despeito de seus solemnes compromissos. Para justificar csse proccdimenlo nao pode alle- gar-se, sem olfensa da razao, como se pretende, que o payz tivesse acceilado a nova situacao, porque os factos mostram que lbc fura imposta pela forca. Nao pode coboneslar-se este proceder cota dizer que a resistencia á nova ordem de cousas fora de pouca considerarlo, ou que foram inefljcazes en sen regullldo os esforcos que se (izeram para lbc resistir, porque o liruzil nao se compronieiteu a defender o governo constitucional, só quando fosse — 135 — o mais forte ou o mais afortunado; sua obrigacao é absoluta e sem condit-ao, segundo os termos dos arts. 5.°, 6. °c 7." do traclado de allianca. Nao pode excusar-se pelo facto de ter o abaixo assignado acceilado e reconbecido a nova sitita^ao^ porque IstO nao é exacto no sentido que quer dar-se a suas palavras. O que o abaixo assignado reconhe- ceu é o facto de qne a Hepublica se acbava tran- quilla na data da sua nota de 3 de noveml ro, e fóra do caso em que o Iírazil devena obrar como auxi- liar, posto que bouvesse cessado toda a resistencia armada contra a nova ordem de cousas; porém ao mesmo lempo recordava ao Krazil suas obrigac/»es, nao para com o abaixo assignado que tinba rollado para sua casa sem pretendo alguma pessoal e sem aspiracao a alentar novas lulas de resistencia, mas para com o povo oriental que acabava de ser despo- jado de suas inslituiQóes. Nao pode cmfim fundar-sc em que o abaixo assig- nado tivesse abandonado o seu posto, como se pre- tenden, poique sua pessoa nao é o systema consti- tucional, nem sua falla constitueacepbalo o governo. A constituicao prové aos meios át supprir esta falta, designando o presidente do senado como substituto legal do presidente da Hopublica, para todos os casos em que este faltasse, aínda o de morte : le maneira que aquello abandono, se como tal se reputa, nao tornou necessaria a desorganisaeao fundamental, que se operou no régimen da l'.epublica, e muito menos pode servir ao Brazil de pretexto para proceder como procedeu. A razao publica já fez justica a estas e oulras alle- gares. Entretanto o abaixo assignado compre com seu dever, consignando aqui os factos com as de-— 136 — diiCQóes que delles emana ni, único objeclo a que se propoe nesta resposta. O abaixo assignado sadda a V. Ex. com sua maior considcracáo e tem a liorn a de assignar-se De V. Ex. milito aitencioso servidor Juan Francisco Giró. Illm. c Exm. Sr. José Mafia do Amaral, ministro plenipotenciario do Brazil cm Montevideu. DESPACHO DO GOVERNO IMPERIAL AO MINISTRO DO BRAZIL EM MONTEVIDEU. Rio.de Janeiro.—Ministerio dos negocios extrangeiros eni 28 de abril de 185.'i. Tenho a honra de accusar a rccepQüo do seu oflicio reservado n. 3 datado de 30 de manjo ul- timo, com o qual me remetteu V. S. a copia da nota que cm data do 1." foi dirigida ao ministro do Brazil ern Montevideu pelo Sr. O. Juan Francisco Giró, em resposta a aquella que em 30 de janeiro próximo passado Ihe diiigira o mcsmo ministro por ordem do governo imperial. Kcspondendo a este oflicio, cumprc-me dizcr-lhe que a posicao cm que o governo imperial deve con- siderar-se para com o Sr. Giró, depois que o mesmo governo reconlicccu em 30 de janeiro ultimo o actual governo da República Oriental do Uruguay, nao per- mitió urna correspondencia oflicial entre o ministro do Brazil em Montevideu e o Sr. D. Juan Francisco Giró. — 137 — Com tudo, tendo o Sr. Giró dirigido a V. S. a mencionada nota, que já se pnblicou em alguns jor- naes, nao pode o governo de S. M. o Imperador deixar passar sem contestado, nao só a doutrina er- rónea, em que o Sr. Giró Insiste acerca da inteligen- cia do tractado de allianca de 12 de outubro de 1851, como lambem alguns tactos que elle refere incompleta ou inexactamente. O governo imperial desvanere-se de ter proce- dido com inteira lealdade e boa fé na observancia daquelle, e dos outros tractados da mesma data, ce- lebrados com o governo da República, e com a forte convicio que isio lhe inspira, nao póde ouvir silen- cioso as censuras, nao menos injustas que despidas de pro vas, que se lém na nota dirigida pelo Sr. Giró ao ministro do Brazil em Montevideu no 1.° de marco do córreme anno. Com eíTeito a obrigacao que pelo art. 5." do tractado de allianca contrabiu o governo imperial de prestar eflicaz apoio ao que tivesse de eleger-se constitucionalmcnte na República Oriental pelos qua- tro annos de sua duracao legal, acha-se explicada, e limitada pelo art. 6.°, tanto pelo que pertence aos casos, como pelo que diz respeito ao modo de rea- lisa r-se. Os casos foram reduzidos a dous, sendo o pri- meiro, o de qualquer movintenio armado contra a existencia, e autoridade do governo, seja qual fór o pretexto dos sublevados, e o segundo, o da desposi- cao do presidente por meios inconstilucionaes. O modo de veriíicar-se a intervcnqao do Brazil em qualquer destes dous casos consiste em coadjuvar o da República, nao como parte principal, mas como auxiliar; porquanio assim no art. 6.°, como no art.— 138 — 7." do tractado de .Manca, emprega-se a palavra « auxilio » para significar, e definir claramente o apoio a que se refere o art. 5.* do mesmo tractado. Esta e nao ouira ó a inlclügencia que resulla litte- ralmcnte da combinacáo dos tres citados artigos do tractado. Esta intclligencia é a única que póde con- ciliar-se com a sobci ;\.iia e independencia do Estado Oriental, que o govemo imperial reconheceu e é obrigado a respeitar em virlude da convencáo de 27 de agosto de 1823, e dos pactos de outubro de 1851. A nacáo Oriental dcixaria de ser soberana e in- dependente, se tivesse concedido a outra o direilo de impdr-lhe por meio da forca um governo, que ella tivesse repcllido. Assim que, a obrigacao a que se comprometteu o Brazil de defender o governo constitucional da Be- publica, naoé absoluta e incondicional, como aflirma o Sr. Giró ; está subordinada a regras c coniieoes, sem as quaes nao póde subsistir, nem por consequen- cia ser invocada. O Sr. Juan Francisco Giró diz na sua nota « que « o governo constitucional, que o Brazil eslava com- « prometlido a sustentar, viu-se arocacado cm sua « existencia e autoridade pelo inovimento armado « de 18 de julho do anno passado, e foi finalmente u derribado por nieios inconstitucionacs em 25 de « septembro seguintc, sem que o Brazil lhe pres- « tasse os auxilios, que repetidas vezes se pedi- « ram ao ministro brazileiro, antes e depois destes « acontecimentos para fazer respeitar a sua auto- « ridade. » Tara justificar o procedimento do gove rno do Bra- zil ñas duas crises, a que allude o Sr. Giró, bastará — 139 — esclarecer o direito, c expór os factos taes como se passaram. Os arts. 5.° e 6." do tractado de allianca mostram evidentemente que o apoio que o governo do Brazil se comprometteu a prestar ao da Uepublica nao está únicamente no auxilio de forcas de mar e térra, mas tambem nos consellios c bons ofucios, que possam concorrer para dispensar aquelie extremo recurso, mantendo-se entretanto a ordem publica, e o res- peito á autoridade. Os conselhos e bons officios em taes circumstan- cias dao urna grande forra moral, e sao quasi sem- pre mais efficazes para conjurar as crises sociaes do que o emprego de forca armada, c de\cm natural- mente preceder ao uso desta. Nao póde razoavelmente negar-se que o governo imperial, antes de ser chamado a obrar activamente, tem o direito de ser ouvido, como amigo e alliado, e de ser attendido. Sem es e direilo o governo impe- rial converter-se-ia n'um instrumento passivo para executar a vontade, e as ordens do governo oriental. O Sr. Giró nao quer admittir esta doulrina, com- batendo-a diz na sua noia « que todo o governo in- « dependente tem o direilo de aeccitar ou recusar, « conforme lhe parecer justo, os conselhos que quei- « ram dar-lhe os seus alliados e amigos, porque, se « nao tivesse esse direilo, nao seria independente, « e o cumprimento dos seus mutuos paclos e a con- « servaQao das suas rela^óes dependeria exclusi- « vamenle da vontade de urna das parles. » Este argumento porém nao é procedente, porque o direito que o governo do Brazil deve exercer nao é um direilo vago e interminado, funda-se nos pactos.— 140 — de outubro c tem por objecto e por fim aconselhar e pedir a sua observancia. S. M. o Imperador do Brazil é urna das altas partes conlractantes que intervieram naquelles trac- tados, Se o governo orienlal emende que estava antori- sado para recusar os consellios que o governo do Brazil I i 10 da va, afastando-se da politica que se compromettéra a seguir, nao dissolvia elle por este facto as obrigacóes que o governo imperial con- t rali i ra ? Diz-se que o governo oriental nao seria indepen- dente, se nao pudesse recusar os conselhos que se lhe davam, e pretende-se ao mesmo tempo que o governo imperial, que fornecia subsidios e tropas, cstivesse pela intelligencia que o governo oriental quizesse dar aos pactos de outubro, e acceitasse a politica, que a dcspeito delles o mesmo governo quizesse impor. A contradiccáo <■ manifcsta. O direilo do governo do Brazil está demonstrado ; cumpre agora examinar os factos, como elles occor- reram. Na crise de 18 dejullio o ministro do Brazil em Montevideu, desde que principiaram a apparecer os 8ymptomas que deviam mostrar ao governo orienlal a imminencia de urna revolucao, empregou ofliciosa- mente todos os esforcos para conjural-a, prestando ao Sr. Giró todo o appoio moral, aíim de que a sua autoridade niío fosse atacada, nem a ordem publica soflresse o menor abalo. Nem sempre «5 possivcl, e nem sempre convdm evitar ou reprimir por meio da inlimidaQÜo, ou da forca armada um movimento popular. O ministro do Brazil entendeu, desde o principio da crise, que a — 141 — fnlimidacáo era inefllcaz, e podía ter o effeito de urna provocaeño ; que o governo orienlal, ainda tendo á sua disposicao todas as forras navaes exirangeiras existentes no porto de Montevideu, nao podía suffo- cara revolucao que estava ¡inminente; que em todo caso convinlia evitar, sem eíTusiiode sangue, a ten'a- tiva de urna revolucao em um payz onde pode dizer-se que na vespera cessara unía guerra civil, que tinlia durado por mais de nove annos. Com esta convicráo, e tendo sabido primeiro que o governo da República a existencia do porigo, o mi- nistro do Brazil, nüo obstante as justas e graves queixasque tinlia rcla;ivanieiUe a diversos aclos que violaram os tractados de 12 de outubro de 1851, nao duvidou fazer ottic'osamcntc quanlo lhe era possivel, alim deque o movimenlo fosse combatido sem abalo da ordem publica, e sobretudo sem derramamento de sangue. O ministro do Brazil fallón e procedeu nesta con- junctura com toda a franqueza que lhe cabia. Nao se atienden ao que elle dice, nem se fez o que elle aconsclliou. Foi no dia 17 de julho, a urna hora já adiantada da noite, que o ministro do Brazil em ¡Montevideu rece- beu do ministro das rclacoes exteriores da República, o Sr. D. B. Berro a nota datada deste mesmo dia, em que se lhe dizia que o governo da Hepubüca se vira na necessidade de pedir o auxilio das foi cas in- glezas e francezas, para evitar as desordens que amcacavam a capital, e de ao mesmo tempo, fazer presente ao ministro do Brazil que era cliegndo o caso previsto nos arts. 6." e 7." do tractado de allianca de 12 de outubro de 1851. O acontecimento de 18 _de jullio veiu consternar a— 142 — rodos os Orientaos, amigos da ordeni c da paz da Re- publica. Este acontecimento port'm ter-se-¡a evitado, se as palavras e os conselbos do ministro do Brazil livcs- sem sido attendidas pelo Sr. D. Joáo Francisco Giró. A forca armada brazileira estove com tildo prom- pta para obrar, de concertó com asduas outras esta- cóos navaes oxtrangeiras, e no inesmo sentido de de- fender a següranca publica c as pessoas e as propie- dades dos neutros, único servido que podía prestar em laes circumslancias. O lamenlavel acontecimento de 18 dejulliomos- trou em loda a evidencia o perigo que amearava a orden constitucional da República, se, em vez de se- guir-se a política dos pactos de outubro de 1851, se insistisse como até abi na política contraria. Tinham sido cbamados ao poder doi:s bomens dis- tinctos do partido colorado, o Sr. D. Manoel Herrera y Obes, que nao linba sido procurado desde a instal- laciio do governo do Sr. Giró, e o Sr. coronel D. Ve- nancio Flores, que bavia sido ministro da guerra, durante a presidencia do Sr. Giró, e que se relirára do ministerio por causa da questao da revaliducao do decreto da medalha de Caseros. Eram cortamente duas garantías para esse partido, que estava quasi sem nem urna influencia official^ mas duas garantías nominaes, em quanlo alguns actos nao viessem assegurar que o governo da Repú- blica entrava em urna nova marcha política. Estes actos nunca appareccram. Divnigaram-se pelo contraiio outros que tondíam a condeinnar o aeonlecímento de 18 de julbo. c com elle urna política previdentc e creadora, a política de — 143 — conciliacáo e de justica, que parecía tor-se abracado nesse dia. A hita entre os partidos conlintiou pois cada vez mais incarnirada, e termino:! pela revolticao eflec- tuada no dia 25 de septembro. Aínda desta voz o ministro do Brazil procurou desviar esta tremenda crise que acabou pelo aban- dono que o Sr. (¡iró fez do cargo que oceupava de presidente da República. A exposi;ao dos meios empregados pelo ministro do Brasil enconlra-se em a nota dirigida pelo mesrno ministro ao Sr. (¡iró em dala de 25 de septembro. Entre outros achuru -se plenamente demonstrado* nesta nota os seguíntes tactos : 1. " Que na noile do dia 23 de septembro foi decla- rado ao ministro do Brazil pelos Srs. Herrera y Obes e Mores, que eram ministros do Sr. Giró, que o Sr. Giró acceilava a coopciacao oflVrecida pelo ministro do Brazil, e porlanlo o sen amigavel c desínleressado parecer, c o uulorisava para assegurar ao Sr. gene- ral l'acbeco y Obes, c aos seus correligionarios políti- cos, que o Sr. Giró estava disposto a nomcar dous Cbefes políticos escolbidos d'entre as pessoas aptas para esse carga no partido outr'ora denominado colo- rado, e que, como resultado ¡inmediato dessa conces- siio, exigía o Sr. Giró que o Sr. general l'acbeco y Obes se retirasse do payz, nao duvidando conícrir- lbe urna conmiissao diplomática, e que a ¡tnprensa política olvidaste completa e lealmente opassado. e eviiassc polémicas irritantes. 2. ° Que depoisda conferencia de ministros, a que assístira o ministro do Brazil, como ácima lica ex- posto, bouvera conseibo de governo em casa do Sr. Giró, e que a este acto ostiveram presentes o Sr. ¡Mail-— 144 — lefcr, encarregado de negocios de S. M. o Imperador dos Francezes, e Mr. Hunt agente de S. M. Brilan- nica, nao tcndo si lo cunwdado para assistir a este conselho o ministro bruzileiro. 3.* Que no dia 24 de septembro, quando o minis- tro do Brazil já tinha dado principio á commissao de que fóra encarregado pelo Sr. Giró, fóra inopinada- mente surprehendido pela noticia de que o Sr. mi- nistro D. B. Berro se linha occullado, e de que o Sr. Giró, tomára a resoluto de asilar-se na casa do en- carregado de negocios de S. M. o Imperador dos Francezes. t* Que, sem embargo disto, o ministro do Brazil superior a estas contrariedades e aggravos, c aileu- dendo ás instancias dos Sis. llenera y Obes c Flores, esperoti o resultado da entrevista que elles foram pedir ao Sr. Giró na casa da legaQáo franceza, onde se dizla que o Sr. Giró estava desde a noite antece- dente. 5." Que o Sr. Giró flcou de dar urna solucao no dia 25, milito cedo; mas em lugar della cbegou ao conbecimento do ministro do Brazil a nota pela qual o Sr. ministro Berro Ihc communicára, assim como se comniunicou a todo o corpo diplomático e aos agentes consulares, que o Sr. Giró suspenderá o excrcicio de sua autoridade na capital, e provéra á sua scguranca pessoal, sendo esta nota entregue ao ministro do Brazil no dia 24, ás nove hora da noite. Vé-se pois que os esforcos do ministro do Brazil em Montevideo, para conseguir um desenlace pacifico e honroso á crise de septembro, niallograram-se em consequencia do procedimenlo que tcve o Sr. Giró, e que dcixo de qual ¡¡¡car. O resultado deste procedimenlo foi o triumplio da — 145 — revoluQüo. O Sr. Giró sabia perfeitamente, antes e de- pois de 18 de julbo, que o governo imperial nao linha em Montevideu forjas de desembarque, que pudes- sem dominar promptamenle um movimento armado conira a sua autoridade, e, sem embargo disto, nunca se dirigiu ao governo imperial, pcdindo-lhe a pre- senca de maior forcea. Nao era ao governo imperial a quem compelía a iniciativa. Nao devia fazel-o sem requisicáo do governo orien- tal para observar fielmente o tractado de allianca. Nao devia fazel-o ainda poroutro motivo: para nao excitar suspeitas, e talvez redamacócs de um gover- no, que tao mal tinha comprehendido a politica da allianca entre o Imperio e a Bepublica. Logo depois que o governo imperial teve a noticia da revolucáo de septembro, suppondo que o payz se pronunciasse contra ella, e que se veriíicasse um dos casos, em que livesse de intervir como auxiliar, em virlude do tractado de allianca, maudou passar ao Sr. Giró a nota de 30 de outubro ultimo, em que se de- clara « que o governo de S. ¡VI. o Imperador estava a disposto a cumprir religiosamente o tractado de al- « llanca, e a prestar o apoio de suas forcas de mar e « tena para o resiabelccimt-nto do giverno conslilu- « cional, urna vez que lhe fosse requerido, e se veri- « iicasse o caso de dever obrar como auxiliar, e nao « como parte principal, que tinha de impór á na<;ao « um governo, que nella nao encontra apoio. » Se este auxilio nao se prestou, foi porque a autori- dade do Sr. Giró nao enconlrou apoio no payz. A Bepublica tinha adherido ao mowmento de 25 de septembro, e achava-se em perfeita tranquillidade, quando aquella nota foi entregue ao Sr. Giró. O Sr. Giró confirma este facto alias notorio. 13— 146 — Respondendo á ñola do ministro residente do Bra- zil datada de 30 de oulubro, o Sr. Giró em nota de 3 de novembro expressa-se nos segiiinles leemos: « Esta doclaraciio honra sobremanoiia os princi- « pios de lealdade, fé f juslica do governo de S. M. « ím peí ial, e de ve excitar o sincero agradecimento « dos Orientaos; porém, nao se arhando lioje este « payz no caso que fa a obrigatoría a prestar.üo do « auxilio que os Iractados eslabelecem, por causa, « que nao é opporluno examinar, o abaixo asignado « colloeado na situado que trouceram os aconteci- « mentos e sem pretiMiQoes pessoaes, considera-se « inhabilitado para dizer cousa aiguina. » Segundo esta declaracáo é o mesmo Sr. Giró quem reconhece que os mo\imentos da campanlia, ante- riores aos mezes de novembro e dozembro, nao po- dio m ministrar argumento algum que ptidesse justi- ficar a inlervencao do Urazil em virltide do Iraclado de allianca, e com eiíeilo esses movimenios foram de tao pouca imporiancia e duracao, que só serviram para demonstrar a falla de apoio que tiidia a nntori- dade do Sr. Giró em todo o Estado Oriental. E' certo que a campanha tontón a agltar-se em novembro e dezrmbro. Nao lia porém quem ignore que a populacfio da campanba foi em parte coagida e em parte alliciada, fazendo-se-lhe acreditar que a intervencao do Brazil dependía dessas manifcslaeOi's armadas. Islo nao obsianle, as manifestacóes foram immediataniente supplantadas pelas for;as do governo estabelecido em Montevideu. Depois dos novos movimentos que appareceram na campanba no mez de novembro, c que se prolon- garan! alé dozembro, o Sr. Giró procurou o asilo da — iw legacáo brazileira, e ahi se conservou desde o día 6 de novembro alé o dia 3 de dezembro, sem que em todo este lempo Irocassc com o ministro do Bra- zil urna só pala vía que indicas,e o pensa mentó de dever o Brazil intervir a favor do restabelecimento de sua auloridade. A revoluQiio estava consummada, desde que o Sr. Giró em 21 de oulubro recolbeu-se á sua casa em Montevideu, dcixando o asilo que buscón na noite de 28 de septembro a bordo da fragata fraaceza Andró- meda. Entrelanto nacionaes e extrangeiros, todos tinham os olbos fixos no Brazil, c esperavatn anciosos por urna decisiio, que pudesse dar-lhcs seguranca, c ao payz garantías de orden e de paz. O recouliecimento do governo provisorio por parte do Brazil em 30 de jaaelro deslc anno, foi por tanto um acto de inconteslavel política, para pór termo aos temores e hesilacocs da populaiao pacifica e indus- triosa. O restabelecimento da autoridade do Sr. Giró nao seria possível, sem que o Brazil levasse a guerra ao territorio da República. Nao é por meio da guerra que o tractado de al- lianca quer que se firme a paz, e se fortifiquem os hábitos conslitucionacs no Estado Oriental. Urna política semelbante, além de absurda, já tinha sido condemnada pela guerra de nove annos, que acabou com a lyrannia do general Oribe, e deu es- plendido iríumplio á causa da liherdade e civilisacáo que se pclcjou dentro dos muros da heroica cidade de Montevideo. Terminando este despacho, ciimpre-me d¡zer-lhe que icnbo por conveniente que V. S. faca a leitura— 148 — delle ao ministro das relacóes exteriores da Repú- blica, podendo tambem dar-lhe urna copia. I'iexaleco-me da occasiao para reiterar a V. S. as expressóes de minha períeita estima e disliucta con- sideracao. Ao Sr. José Maria do Amaral, etc. Antonio Paulino Limpo de Abrm. TTP. AllEAICANA f DE J. JOS! DA llOCHA. Eli ffiBVE£JL& WMM { Y IOS ,t itouhi üA que lo Itan calumniado. ü 33 vt 3 ^ a íi> a